Marlon Villas
Pros mais chegados, não é novidade que
eu goste de temas pesados para discussão. E a filosofia vem bem a calhar em
muitos desses momentos de exercitar o raciocínio.
Então o que posso dizer quando vejo duas
coisas que adoro, o cinema e a filosofia, unidos numa coisa só? É um prato
suculento, com bastante tempero e cheiroso só esperando por mim. E ele estava
esperando, bem quietinho, na prateleira de uma locadora de vídeos no ano
passado.
Cheguei como quem não tá nem aí, o DVD
olhou pra mim, eu fiz que não era comigo, mas me aproximei e o encarei. Li a
sinopse na contracapa e fiquei intrigado: que diabos é isso? Um filme de 1 hora
e meia em que, pelo jeito, só aparecem dois atores? Fiquei ruminando e, quando
dei por mim, já pedia para a atendente registrar a locação no meu nome.
Não fui eu: foi ele que me obrigou a carregá-lo
para casa.
Liguei o home theater, coloquei o disco
lá dentro, preparei um lanche rápido e sentei no sofá. Ainda não tinha
entendido direito sobre o que se tratava a história do filme, de início a tal
sinopse me pareceu rasa demais. Depois compreendi o porquê: é o tipo de obra
que você precisa descobrir sozinho e tirar suas conclusões. Botar a cabeça para
funcionar mesmo. Mas é claro que essa compreensão só veio nos créditos finais.
Mal sabia eu.
Primeira cena: um trem passando em uma
estação. Há um barulho alto dos trilhos sendo arranhados, e a impressão de que
algo muito grave acontece com alguém naquele momento, na estação.
Na cena seguinte, me encontrei dentro de
uma quitinete bem pobre, enquanto Tommy Lee Jones se encontra ali dentro, ainda
tentando entender por que tinha ido parar naquele lugar, enquanto Samuel L.
Jackson procura deixá-lo à vontade. E logo noto que ambos estavam antes na
estação, sendo que Jackson havia acabado de salvar Jones de se atirar na frente
do trem. É aí que começa uma das conversas mais longas e sensacionais que eu já
presenciei na minha vida.
Jones, um professor de filosofia ateu, desgostoso
com a vida e com o mundo, decidira se suicidar se lançando na frente do Sunset
Limited, nome do comboio que passava àquela hora, início de madrugada. Jackson,
um ex-presidiário e funcionário de subemprego em alguma fábrica e cheio de
convicções religiosas, não permitiu que o outro fizesse aquilo, por uma questão
de humanidade. E por isso leva o professor para seu humilde lar e busca
compreender os seus motivos para aquilo que ele considera um ato de desespero
ou de falta de perspectiva. Tommy Lee tenta sempre buscar uma forma de ir
embora, mas Samuel o convence diversas vezes de que ele não deveria partir, que
ficasse um pouco mais. A discussão entre os dois vara as primeiras horas do dia
que ainda não amanheceu.
E essa discussão se estende por vários
assuntos. É impressionante como os dois discorrem sobre verdades, incertezas,
vida, morte, amor, religião, felicidade, conhecimento e mais e mais e mais, com
tamanha naturalidade, enquanto tomam café, enquanto tomam uma sopa, ou quando
Jackson põe água em sua planta no vaso perto da janela. Por diversos instantes
você pode ter a sensação de que é simplesmente uma conversa entre dois conhecidos
e que nada de mais acontecera algumas horas atrás. Mas nenhum jamais tinha
visto o outro antes, e tudo aquilo teve seu início a partir de um ato: o
suicídio, ou ao menos a tentativa de um.
Jackson pergunta, Tommy Lee responde,
Jackson provoca, Tommy Lee ironiza, Jackson procura uma brecha na argumentação
do outro, Tommy Lee se mantém firme. Tudo isso sem saírem da quitinete, mais
especificamente da sala. Não existe uma dica muito clara/explícita sobre o que
concluir de todo o diálogo entre o professor ateu e o ex-condenado religioso.
Arrisco a dizer que você possivelmente fica com uma sensação de que é você
mesmo, o espectador, quem deve botar os pingos nos is da história.
Decididamente não é um filme para quem é
fissurado em efeitos especiais, ou para quem detesta debates. Vi alguns
comentários internet adentro de pessoas que não gostaram, e entendo bem porquê.
Claro que uma história dessa não vai agradar a maioria, que só quer saber de
filmes facilmente digeríveis, de preferência pré-mastigados para não
comprometer o funcionamento cerebral. Mas o que vou dizer agora não é exagero:
ao final, fiquei uns bons minutos sem me tocar que estava de boca aberta. A primeira
coisa que disse foi um palavrão bem alto, logo a seguir concluí que precisava urgentemente
de uma cerveja.
The Sunset Limited é baseado em uma peça
de teatro de mesmo título do escritor Cormac McCarthy, mesmo autor dos livros A
Estrada e Onde Os Fracos Não Têm Vez, que também viraram obras de cinema. A
direção ficou a cargo do próprio Tommy Lee Jones, que mostrou, além de uma ótima
interpretação, um poder de saber conduzir o roteiro com muito pouco em termos
físicos.
E olha: precisei de mais do que somente
uma cerveja naquela noite.
Título: The sunset Limited (original)
Lançamento: 2011
Direção: Tommy Lee Jones
Duração: 91 minutos
Marlon, gostei do jeito que vc escreveu. Muito! Sossegado, tranquilo. Bom demais! Adorei a indicação.
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