segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

TOP 10 musical de 2012


Ah, fim de ano. Festas, peru, presentes, tiozões perguntando se “é pavê ou pra cumê?”... e listas! Aqui vai a minha com os cds lançados em 2012 que mais me agradaram. 


10. Lacrimosa - Revolution
Eu não ouvia Lacrimosa há algum tempo. Já fui bastante viciado na banda e considero o vocalista/líder da banda, Tilo Wolf, um gênio, um dos poucos que conseguem realmente inserir música erudita no metal sem soar forçado ou piegas. Revolution não tem a força de um Elodia, é claro, mas é um belíssimo cd.




9. Van Halen – A Different Kind of Truth
Não sou fã de Van Halen. Quero dizer, eu curto muito algumas músicas que conheço, mas nunca tinha ido atrás de conhecer o som dos caras mais profundamente. Esse deve ser o primeiro álbum completo deles que ouço, então nem tenho condições de comparar com trabalhos mais antigos da banda, mas o fato é que fora o primeiro single Tattoo, todas as músicas desse cd me cativaram bastante. Em especial as pesadonas Chinatown (uma das melhores introduções de música que já ouvi na vida!), As is e Honeybabysweetiedoll. 


8. Down - IV - Part I: Purple EP
Pra ser sincero eu esperava mais. Pensava que uma hora dessas estaria tecendo odes de glória ao EP, mas a verdade é que, mesmo muito longe de ser ruim, ele também não empolga como faziam os dois primeiros álbuns da banda. É muito legal sim, como sempre a banda faz aquele som pesado, lento e malvado, calcado em riffs Iommicos, mas as músicas aqui apresentadas não ganharam minha afeição como fizeram anteriormente uma Temptations Wings, uma Stone the Crow ou uma Beautifully Depressed, por exemplo. 




7. Graveyard - Lights Out
Bela surpresa vinda da Suécia. Lights Out é o terceiro album da banda, mas o primeiro que escuto. Hard rock de primeira, cheio de psicodelia e peso, não devendo em nada pra gigantes setentistas do estilo. Vocal forte e ótimos riffs vindos de guitarras sujonas em músicas incrivelmente empolgantes. Rock sem frescura.




6. Joey Ramone - Ya know?
Pois é, o cara morreu faz mais de 10 anos e mesmo sendo uma raspa do tacho de sobras de sua carreira, esse álbum ainda é poderoso. Claro, é inconstante, tem muita música que entrou só pra encher linguiça mesmo, mas as boas compensam, e muito! 
E mesmo que 14 das 15 músicas fossem ruins, esse cd mereceria destaque. Tudo por causa do hino Rock'n'roll is the Answer. Uma pena que essa música, devido às circunstâncias em que o cd foi lançado, vai passar despercebida. Esse musicão que soa uma mistura de Ramones com AC/DC teria tudo pra se tornar um grande clássico do rock, caso tivesse sido lançada em algum antigo LP dos Ramones.



5. Paradise Lost - Tragic Idol
Fazia tempo que a banda não lançava um álbum tão consistente quanto este Tragic Idol. Em todos os seus trabalhos sempre houve faixas ótimas, porém, em seus últimos cds, estas eram diluídas em meio a músicas medianas. Aqui não, dá pra curtir o álbum todo do começo ao fim sem pular faixa nenhuma.




4. Alabama Shakes - Boys & Girls 
Pare tudo que estiver fazendo e escute a vocalista Brittany Howard cantar. Que voz! Se ela lançasse um álbum à capela já seria muito bom, com o acompanhamento de sua excelente banda então nem se fala. A primeira referência que me vem à cabeça é Janis Joplin, tanto pela vocal quanto pelo instrumental com sua levada blues/soul/rock.





3. Killing Joke - MMXII
Até esse ano não tinha ouvido nada tocado pela própria banda, apenas o excelente cover de The Wait, em sua versão feita pelo Metallica. Posso dizer que foi uma das grandes descobertas de 2012 e logo devo correr atrás de trabalhos mais antigos dos caras. O que se ouve aqui é um post-punk metal, se é que isso existe. As músicas tem aquela pegada típica de bandas post-punk dos anos 80, aliadas à riffs e elementos mais pesados de metal e industrial.


2. Mark Lanegan Band - Blues Funeral
Nunca ouvi os outros álbuns dele. Nem solo, nem com a Isobel Campbel e nem com o Screaming Trees. Conhecia apenas os (excelentes) trabalhos do cara junto com o Queens of the Stone Age. Isso foi o suficiente pra fazer com que eu me interessa-se em descolar o Blues Funeral ao ler sobre um show que faria em SP no começo do ano (que infelizmente perdi). E que ótima decisão foi esta! Mark usa sua voz de trovão em um álbum que é basicamente composto por blues e rock alternativo, mas com influências que vão até a disco music!!! Uma das melhores faixas, a Ode to a Sad Disco, não poderia ter um nome melhor. É bem isso mesmo, uma sonoridade disco, mas longe da alegria e festividade que tal tipo de música evoca, o negócio aqui é soturno e deprê. Coisa linda!
  

1. Baroness - Yellow & Green
O top 1 é tão bom, mas tão bom, que já ganhou uma resenha própria AQUI. Mas não custa enfatizar: Yellow & Green é fantástico! Rock progressivo, stoner metal, psicodelia, folk... um amálgama de estilos, mas a classificação que importa e que cabe aqui é: música ótima.





P.S.: Não posso colocar na lista porque são lançamentos de 2012, mas quero fazer uma menção honrosa a dois álbuns que ouvi pela primeira vez este ano e que estariam facilmente dividindo o primeiro lugar com o Baroness: Dreamland (2002) e Mighty Rearranger (2005), ambos da carreira solo do Robert Plant. Também já escrevi sobre eles AQUI.

P.S.2: Top 3 chatices do ano: Born Villain - Marilyn Manson: Porque esse cara não se aposenta? The 2th Law - Muse: Essa banda até começou bacana, mas essa pretensão de querer ser o "novo-Queen" estragou tudo. Muita pompa pra pouca música. Oceania - Smashing Pumpkins: Ok, faz tempo que não fazem nada digno de nota, mas acho que essa foi minha broxada do ano. CD absurdamente sem sal.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

As realidades de Philip K. Dick

Danilo Altman

Philip K.
(Fonte: http://www.radiotimes.com/)
Você acha que não sabe quem é Philip K. Dick, mas assim como nas tramas de suas histórias, a realidade não é exatamente o que parece e as ideias desse escritor se encontram em algum lugar dentro de sua mente.

Nascido em Chicago, em 1928, Philip K Dick escreveu 44 livros e mais de 120 contos, muitos deles organizados em coletâneas. Ao contrário do estilo elegante e calcado em ciência real de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, Dick não tinha problemas em inventar a pseudociência absurda que fosse necessária para contar suas histórias. No meio de seus textos você encontra todo tipo de coisa bizarra, como lesmas lunares e afins. Outra diferença dele é sua visão pessimista de mundo. Não raro, suas histórias se passam em realidades devastadas pela guerra, pobreza e decadência, tendo como protagonistas personagens desajustados e paranóicos.

Em vida, o escritor não fez grande sucesso, ficando bem atrás, em termos de popularidade, quando comparado com os peixes grandes da ficção científica, como Robert Heinlein, Ray Bradbury e os já citados Clarke e Asimov, mas no início da década de 80 o cineasta Ridley Scott viria a dirigir o filme Blade Runner, baseado em um de seus livros, Do the androids dream of electric sheep?, que abriu as portas de Hollywood para Philip K Dick. Desde então muito de seu trabalho já foi adaptado para as telonas, sendo os maiores destaques, sem contar, obviamente, Blade Runner, Minority Report - A Nova Lei (2001) e O Vingador do Futuro (1990).
A soturna Los Angeles futurista de Blade Runner.
(Fonte: http://blu.stb.s-msn.com/)
O filme de Ridley Scott é um filmaço! Um noir futurista sobre um caçador de androides fugitivos. Com diálogos e atuações incríveis, direção segura, efeitos especiais de primeira e um roteiro irretocável, o filme, apesar de não triunfar nas críticas e bilheterias na época de seu lançamento, tornou-se um clássico cult ao sair em VHS. Além de ter sido o primeiro, este é, sem sombra de dúvidas, o melhor filme baseado nas ideias do escritor. Ficção profunda, mais voltada para o aspecto intelectual do que para a correria e ação, Blade Runner é um filme impressionante, que até agora não ficou datado e merece ser sempre revisto, pensado e analisado.

O diretor holandês Paul Verhoeven não era um novato na ficção científica quando resolveu fazer seu Vingador do Futuro, ele já tinha dirigido um dos grandes clássicos do gênero, Robocop (1987). Inspirado no conto “Lembramos para você a preço de atacado”, o diretor criou um filme de ação com inúmeras cenas e passagens memoráveis.
O grande trunfo do diretor foi não se levar tão a sério. O filme tem um tom escrachado que faz com que inverossimilhanças e a violência gráfica não incomodem o espectador. O roteiro expande a história imaginada por Dick de maneira bastante satisfatória e costura toda a ação com uma história intrigante.

Minority Report adapta um dos melhores contos de Dick, “Relatório Minoritário”. Trazendo o astro Tom Cruise no papel principal, o filme parece mesmo com um “Missão Impossível do Futuro”. O design de produção é fantástico e o filme funciona muito bem como um thriller de ação futurista. Sequências empolgantes de fugas e lutas são amarradas por um belo roteiro. Entretanto, o roteiro retira da trama o final mais bombástico e até, porque não?, racional do conto, adquirindo um tom mais moralista e, eu diria, até sem sentido do que o do desfecho originalmente pensado de Dick, quando o personagem principal é obrigado a tomar uma decisão cruel, porém sensata dentro das situações e possíveis desenrolares de suas decisões.
No universo de Dick nada nunca é o que parece.
(Fonte: http://mundodomanolo.com.br/)
Muitos outros filmes foram baseados em histórias de Dick, alguns utilizando apenas uma ou outra ideia do autor, como O Vidente (2007), com Nicholas Cage, que é vagamente inspirado pelo conto “O Homem dourado”, ou até mais fiéis, como O Pagamento (2003), mas todos de qualidade duvidosa, sendo de medianos a ruins.

Aproveitando o lançamento do (desnecessário) remake de O Vingador do Futuro, a editora Aleph resolveu lançar uma coletânea com todos os contos do autor que deram origem a filmes. O remake em si não é ruim, mas pouco agrega ao cinema sci-fi, sendo uma mistura da versão original da história com uma correria mais estilo "Minority Report" e até alguma influência visual de Blade Runner e de Eu, Robô. O grande trunfo do filme foi trazer às bancas este livro, uma edição inédita no mundo, excelente para quem quer começar a tomar contato com o surtado mundo de Philip Dick.

Curiosamente, as ideias deste americano geraram muito mais filmes do que as de Asimov, Clarke e Heinlein e, se estes ficaram conhecidos como o Big 3 da literatura de ficção, Philip Dick é, sem dúvida, o rei do cinema do gênero.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Contato

Danilo Altman

Carl.
(Fonte: http://devaneiostolos.com/)

Sempre tive a tendência para o nerdismo. Quando criança acordava cedo no sábado para assistir documentários da National Geographic que passavam na Globo. Tinha interesse principalmente naqueles sobre inseto e os sobre Egito antigo. E de domingo adorava ver o Globo Ciência. Mesmo o Globo Rural eu não perdia, sempre tinha algo interessante em meio as notícias sobre a cotação da arroba do boi zebu. Mas nenhum desses exerceu tamanho fascínio sobre mim quanto a série Cosmos, produzida e apresentada pelo astrônomo Carl Sagan. Desde então posso dizer que Carl Edward Sagan é uma das minhas pessoas preferidas em toda a existência humana. 

Olha o currículo do sujeito: Doutor em astronomia e astrofísica pela Universidade de Chicago, ele trabalhou nos projetos da NASA Apollo, Mariner, Viking, Voyager e Galilleu. Além disso ele foi professor de astronomia e ciências espaciais, publicou inúmeros livros e artigos e é tido como um dos grandes divulgadores da ciência em todos os tempos. Além de tudo isso, Sagan era um poeta. Quem já assistiu Cosmos, leu alguma coisa  ou viu alguma entrevista dele já sabe. Seu amor pela ciência, pela cultura e pela busca do conhecimento eram impressionantes e foram destiladas em cada palavra dele.

Dito tudo isso, não sei por que demorei tanto para ler Contato. 

O livro, lançado em 1985, conta a história da astrônoma Eleanor Arroway e sua participação no projeto SETI. Pra quem não sabe este é um projeto real, que busca evidências de vida inteligente fora da Terra através do monitoramento de radiofreqüência. A ideia básica do projeto é apontar um radiotelescópio para uma estrela e, através da análise da radiação eletro-magnética captada, determinar se esta é natural (emissões da própria estrela) ou se  possui alguma lógica, como sinais com repetições ou sequencias bem estabelecidas, o que a configuraria como uma transmissão de alguma civilização inteligente.

Contato.
(Fonte: http://imagens.pontofrio.com.br/)
Na história acompanhamos a Dra Arroway desde sua infância e formação (tanto de caráter quanto científica) até o momento em que ela finalmente consegue captar sinais que possivelmente são provenientes de seres extra-terrestres habitando algum planeta em órbita da estrela Vega, assim como as consequências desse contato. Esse deve ter sido um dos livros mais bem escritos que já li em toda minha vida. A história engloba todos os aspectos de um possível contato com seres extra-terrestres e mostra como isso se refletiria na sociedade, na ciência, nas religiões e na política. Além disso, Sagan dá vida a personagens complexos, multidimensionais e plausíveis. A construção da personagem principal se dá de uma forma completa e esta poderia ser a biografia de uma pessoa real. A obra foi pensada em cada um de seus pormenores, sendo profunda, completa e sem falhas.
 
O livro é bem mais do que uma ficção científica. É um debate sobre ciência e fé, sobre política, sobre relações humanas, sobre astronomia. Tudo isso sem nunca deixar de prender a atenção dos leitores sobre seus personagens ou sua história. Para quem já leu ou viu qualquer outra coisa de Sagan, dá pra perceber que Eleanor é o próprio autor dentro da história. Sua paixão pela ciência e seus argumentos fortes e inteligentes sempre me soavam com a própria voz de Carl. E este passeio pelo cosmos dessa mente privilegiada é um dos maiores prazeres que já tive desde que fui alfabetizado.
Dra. Arroway na pele de Jodie Foster.
(Fonte: http://arquivoufo.com.br/)

Terminada a leitura, fui atrás do filme baseado no livro, lançado em 1997, o qual também curti muito. O diretor Robert Zemeckis conseguiu enxugar o texto e transpor a história de forma competente para as telas. Ter a excelente Jodie Foster no papel principal também foi de grande valia. Entretanto, recomendo que, mesmo quem já assistiu à película, que leia o livro, já que este se aprofunda bem mais em alguns pontos da história, trazendo a tona muito mais detalhes em todos os aspectos da história do que seu irmão da sétima arte.

Contato é uma obra única. Uma prova de que ao menos na Terra existe vida inteligente.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Repouso do Guerreiro

Marlon Villas
 
Esta é a estória de amor mais intensa que já li, depois de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. E olha que Heathcliff e Catherine me fizeram pensar que eu tinha entrado em algum cenário de horror gótico, ou coisa parecida.
 
Capa da edição.
(Fonte: 3bp.blogspot.com/)
O Repouso do Guerreiro é o segundo romance da francesa Christiane Rochefort, e foi publicado originalmente em 1958. Marcos Salvatore, quando de uma visita minha a sua residência com direito a Brahmas, Almsteds e um Quinta do Morgado, me emprestou o livro dizendo que o sujeito era muito a minha cara. Conferi.
 
Não, Marcos, ainda bem que não sou, nem de longe, o sujeito do romance. Mas se você queria me assustar de certa maneira, acho que conseguiu. Vamos ao enredo.
 
Geneviève de Theil é uma jovem estudante que recebe a herança de uma tia, e vai averiguar toda a situação dos bens recém-adquiridos numa cidadezinha no interior da França. No hotel em que se hospeda, acaba salvando, por uma confusão de chaves de quartos, a vida de Renaud Sarti, um homem pouco mais velho do que ela, que tentava cometer suicídio logo ao chegar ao mesmo hotel, algumas horas antes dela.
 
A partir de então, os dois começam uma relação que, nem se vista do espaço sideral, pode ser classificada como normal, ou saudável: Renaud se mostra um alcoólatra niilista dos mais graves, um degenerado e um egocêntrico sem precedentes, que abusa moral e fisicamente de Geneviève, enquanto esta, gradativamente — o que é mais absurdo em toda a trama, do meu ponto de vista — está plenamente consciente do que lhe acontece, mas não consegue se desvencilhar do homem que a pisoteia como a um capacho na porta da entrada de casa. É como se ele se tornasse a sua droga particular, uma droga tão poderosa de que lhe era impossível abrir mão, sob qualquer circunstância.
 
No fundo, a obra não chega a ser precisamente um absurdo no contexto real das coisas. Afinal, infelizmente, sabemos todos disso, muitas mulheres, em maior ou menor grau, se submetem a este tipo de relacionamento que extrapola o bem estar e a sanidade mental, em alguns casos. Mas penso que, para muitos em geral, e especialmente para elas, a mesma obra é pesada de se aguentar.
 
A autora Rochefort.
(Fonte: 3bp.blogspot.com/)
No entanto, o romance fascina pela verossimilhança da realidade.
 
Humilhações em público, agressões físicas, litros e litros de álcool ingerido a toda hora do dia e da noite, indiferença e até um desprezo sem qualquer pudor por parte de Renaud ao amor de Geneviève encharcam as páginas deste romance de Rochefort, que era considerada uma escritora feminista. Fico imaginando que, se estivesse em seu lugar, eu teria muita dificuldade em fazer brotar esta estória no papel.
 
Um adendo: foi realizada uma versão cinematográfica do romance e lançado em 1962, onde a grande estrela foi Brigitte Bardot, a musa das telas francesas naquela década.
 
O título da obra, a meu ver, claramente se explica no final, mas isso eu não contarei: prefiro que você me diga depois.
 
 
Título: O Repouso do Guerreiro (original: Le Repos Du Guerrier)
 
Autora: Christiane Rochefort
 
Editora: Abril Cultural
 
Número de páginas: 250

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um clube, um filme, o retrato de uma crise

Marlon Villas

Muito bem, vou falar de algo que provavelmente vai soar mais familiar para quem viveu de verdade os anos 80 e o início dos 90 quando criança ou adolescente, tudo bem?

Todo mundo aqui no Brasil sabe que a programação da Rede Globo não é, nem de longe, apreciada no quesito qualidade-realidade. Assistimos a alguns programas (raríssimos, que surgem de vez em quando) que retratam de certa forma (veja bem, eu usei a expressão "de certa forma") a realidade desse país adentro, como a série Carga Pesada, ou que nos fazem sentir como se estivéssemos vendo nossos vizinhos e conhecidos, como a série A Grande Família. Mas isso infelizmente, como já frisado antes, não é o que acontece na maioria das vezes. É aquele tipo de programação que foge totalmente ao senso de cotidiano para nós, mas que garante bastante audiência entre a massa de telespectadores.

Nem vou falar das novelas, que há anos não acompanho sequer uma, e que demonstram falta crônica de credibilidade, para mim, embora eu conheça muita gente que as admire, inclusive meus pais, que ficam doentes se perdem um capítulo de qualquer uma delas.

O clube dos cinco de castigo.
(Fonte: http://2.bp.blogspot.com/)
O que desejo externar aqui é a falta que faz, nesta mesma emissora televisiva, bem como em outras,  programações e filmes que sirvam de parâmetro de identidade para os jovens. E nem venha comentar a respeito sobre a pseudo-novela Malhação, porque qualquer comparação do que apresentam ali com a realidade da juventude brasileira é um tremendo desrespeito com as novas gerações.

Nos anos 80, e até o começo dos 90, nós, crianças, pré-adolescentes e adolescentes, tínhamos algo que nos fazia sentar a bunda no sofá durante as tardes e ligar a tevê na Globo para nos vermos refletidos na tela, mesmo que o que acontecesse nos enredos fosse a milhares de quilômetros de distância de nossas casas: os filmes daquela época, várias vezes reprisados ano após ano, contando peripécias, anedotas e dramas juvenis pelos quais todo garoto ou garota passa nesse período da vida.

Lembro vários filmes sensacionais daquela época, como (os títulos são os lançados aqui) Fica Comigo, Curtindo a Vida Adoidado, Te Pego Lá Fora, Goonies, Mulher Nota Mil e tantos outros, a lista é gigantesca. Há outros que falam sobre situações diversas, porém vou me focar nos juvenis. Sendo assim, queria falar de um filme em especial, e de um diretor em especial.

A mente brilhante atrás das câmeras.
(Fonte: http://i102.photobucket.com/)
John Hughes. Não acho que até hoje tenha existido um diretor de cinema com tanto tato e sensibilidade para expressar o que um adolescente passa em seus desejos e angústias, não importa de qual geração seja, do que esse sujeito. Recentemente ele faleceu e acabou sendo feito um documentário sobre sua carreira, que é tão interessante quanto seus filmes - e trata justamente dessa influência sobre os jovens daqueles anos. Estou falando de Don't You Forget About Me. Não faz muito tempo, escrevi uma impressão sobre este trabalho em meu blogue pessoal, que você pode ler aqui.

E um dos trabalhos de Hughes, que foi um marco para todos os moleques dos anos 80, sem dúvida foi O Clube Dos Cinco, embora eu não me recorde de ter assistido a este pela tevê, talvez porque fosse o tipo de película que a censura, na época, não deixaria passar, por conter cenas consideradas pesadas para o tipo de público-alvo - há pelo menos um momento em que os protagonistas mostram claramente fazer uso de maconha.

Cinco estudantes de uma escola são obrigados a cumprir um castigo, que seria passar um dia de sábado juntos, pois o diretor esperava que cada um escrevesse uma redação sobre o que pensa de si próprio, como uma maneira de refletirem sobre o que tinham cometido de errado em seus comportamentos. A ideia inicial, como você pode notar, é extremamente simples, mas era assim que Hughes gostava de experimentar nos seus filmes, os enredos, em geral, eram simplórios, mas o seu grande trunfo era trabalhar as emoções das personagens.

Um atleta, um nerd, uma patricinha popular, uma garota esquisita e antissocial e um delinquente. Estes são os cinco protagonistas, além do diretor e do faxineiro da escola, que seriam coadjuvantes no roteiro. Nenhum dos alunos antes se conhecia, e é claro que se estranham nos primeiros momentos. Depois começam a se envolver mais e compartilhar seus problemas com relação a outras pessoas, principalmente os atritos que sofrem com seus respectivos pais. O diretor é um típico funcionário arrogante que despreza, humilha e provoca todos no castigo, enquanto o faxineiro é mais "liberal" e "compreensivo" com os garotos.

Impossível não se identificar com seus dramas, pelo menos de um ou outro ali em punição, a menos que você seja um tipo insensível que já nasceu adulto e preocupado somente com suas contas a pagar. Quem jamais passou pelas angústias de aceitação, de aprovação, de rejeição, de insegurança, de desespero quando adolescente, então que jogue a porcaria da primeira pedra.
Compartilhando alegrias e dramas.
(Fonte: http://1.bp.blogspot.com/)

Dois dos atores, Molly Ringwald (a estrela dos filmes de John Hughes) e Emilio Estevez (o irmão de Charlie Sheen, o Charlie Harper da sitcom Two And A Half Men, e filho do ator Martin Sheen) são os mais famosos atualmente. Mas na minha mera opinião, quem rouba a atenção em todas as cenas que aparece é o rebelde, interpretado por Judd Nelson, que hoje não tem muita expressão nos meios de Hollywood. Nelson conseguiu dar vida a sua personagem de tal forma que você pode sentir simpatia e antipatia por ele, ao mesmo tempo.

Sinceramente, penso que as novas gerações, pós-anos 80, não são representadas do modo como deveriam. Não consigo perceber as mesmas emoções juvenis tão claramente como em O Clube Dos Cinco nos filmes de hoje. Inclusive isso é mostrado de fato nos depoimentos de garotos entrevistados no documentário Don't You Forget..., já mencionado. Não há comprometimento de verdade com o retrato do imenso turbilhão da adolescência, como todos nós sabemos como é (ô insensível, melhor você ir embora daqui). Por favor, cineastas, acordem pra cuspir.


Titulo: O Clube Dos Cinco (Brasil) / The Breakfast Club (original)
Lançamento: 1985
Direção: John Hughes
Duração: 93 minutos

domingo, 25 de novembro de 2012

Meu fim de semana Frankenstein

Danilo Altman


Mary Shelley, a criadora.
(Fonte: http://exhibitions.nypl.org/)

Clássicos merecem ser conhecidos e apreciados. Nessa vibe que finalmente li o livro Frankenstein, ou o Moderno Prometeu, de Mary Shelley. Não que nunca tivesse tido curiosidade antes, mas faltou oportunidade. E essa oportunidade veio na forma de uma edição pocket vagabunda que comprei por R$ 12,00 em uma grande livraria da minha cidade. Por coincidência, no fim de semana que terminei de ler foi a estreia de Frankenweenie, o qual fui conferir no cinema. E já que estava no embalo, acabei assistindo o filme classicão, com Boris Karloff no papel da criatura, em sequência. Pra completar o lance (como diria o saudoso Mussum), resolvi assistir Frankenstein de Mary Shelley, filmaço dirigido por Kenneth Brannagh em 1994.

A criatura em 3 momentos: no filme de Thomas Edison...
(fonte: http://www.spookyisles.com/)
Quando se pensa em Frankenstein, a primeira imagem que vem à cabeça é do monstrão verde com parafusos no pescoço do filme de 1931. Talvez por causa desta associação grande parte das pessoas acredita ser esse o nome da criatura (que, na verdade, nem nome tem) e não do cientista que a criou. Outra associação que logo as pessoas fazem é que se trata de uma história de horror barata, literatura B. Ledo engano. O livro é um tratado sobre a condição humana, sobre ética na ciência e sobre, porque não?, religião. Tudo isso embalado numa roupagem que mistura terror, mistério, romance e ficção científica. 

Mary Shelley escreveu o livro entre 1816 e 1817, quando tinha apenas 19 anos, ao ser estimulada por seu amigo Lord Byron a criar uma história de fantasmas. Provavelmente inspirada por uma palestra do cientista inglês Humphry Davy, um dos pais da eletroquímica, a que havia assistido quando mais nova, a autora criou a fantástica história da criação de vida em um corpo inanimado através da ciência. Davy, aliás, acabou sendo base para o personagem do professor Waldman no livro.

... interpretada por Boris Karloff...
(Fonte: http://collider.com/)
O livro não foi sucesso de crítica na época, mas logo caiu no gosto popular. Edições atrás de edições foram lançadas e hoje é considerado um dos grandes clássicos do terror, ao lado de Drácula, de Bram Stocker. Por ser tão conhecido e cultuado, o livro logo foi adaptado para outras mídias, como teatro e cinema, sendo a primeira versão cinematográfica produzida por Thomas Edison (sim, ele).

Nos anos 30, o estúdio Universal descobriu nos filmes de monstro uma mina de ouro e se baseou na criatura de Shelley para criar o icônico personagem verde, que acabou sendo usado em uma série de filmes. O filme marcou época e assustou bastante o público naquele tempo. Não sou daqueles xiitas que acham que filmes/séries devem ser absolutamente iguais aos livros/quadrinhos nos quais foram baseados, mas fato é que este filme pouquíssimo tem a ver com a história original, mantendo, basicamente, apenas a ideia da criação de um ser a partir de restos mortais humanos. Claro, isso não é necessariamente uma crítica. O filme se tornou icônico por si só, marcou gerações, e mesmo hoje, mais de 80 anos depois de seu lançamento, é referência no que se trata de filmes de horror.

O filme de Brannagh segue um caminho oposto. O ator/diretor, acostumado em traduzir Shakespeare pra grande tela, teve a intenção de levar as ideias de Mary Shelley mais à risca para seu filme. Isso não quer dizer que seu filme seja 100% igual ao livro. Há algumas intervenções aqui e ali, a maior parte no sentido de agilizar a história para que ela caiba em 2 horas de filme (e me arrisco a dizer que algumas arestas são mais bem resolvidas do que no livro), mas também há duas ou três diferenças mais, digamos, drásticas, em relação ao livro. Por exemplo, os acontecimentos que envolvem a personagem Elizabeth. O desfecho de seu personagem é bem mais impactante do que no livro. Não posso deixar de elogiar aqui as grandes atuações do trio principal, Kenneth Brannagh, Robert de Niro e Helena Bonham-Carter.

... e por Robert De Niro.(Fonte: http://classic-horror.com/)
Frankenweenie é uma grande homenagem. Não só ao filme de 31, mas a todos os filmes de monstros da Universal, assim como outros, como Godzilla. Esse stop-motion resgatou minha fé no seu diretor, Tim Burton, que andava fazendo um monte de filmes sem alma ultimamente (como os pavorosos Alice no País das Maravilhas e Sombras da Noite). Frankenweenie, na verdade, é um remake de um curta do próprio Burton, produzido em 1985, e trata da história de um garoto que revive seu cachorro Sparky depois deste morrer atropelado. É um filme para crianças, então obviamente não dá pra esperar a profundidade do texto de Shelley, entretanto é uma história bastante divertida, conduzida de forma a entreter espectadores infantes e cinéfilos que vão encontrar as referências de filmes do passado.

Passados quase 200 anos de sua publicação, Frankenstein parece longe de ser esquecido. A história trágica do cientista e sua obra continuará sendo contada e servindo de inspiração para novos criadores de histórias darem vida a suas próprias criaturas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mike Patton, a delicada arte de fazer música

Danilo Altman


Mike Patton
(latim versatilis, -e) 
adj. 2 g.
1. [Figurado]  Propenso a mudar. = INCONSTANTE, VOLÁTIL, VOLÚVEL
2. Que tem várias qualidades ou utilidades ou que pode fazer ou aprender várias coisas.= POLIVALENTE. 
Mike Patton - 1000 vozes e 1000 talentos.
(Fonte: 
http://tenhomaisdiscosqueamigos.virgula.uol.com.br)

Se tem alguém que é sinônimo de versatilidade é Mike Patton. O cara tem uma infinidade de estilos de canto. Vai dos antigos vocais agudos que usava no über hit Epic até a vozes mais graves, sussuros, gritos, guturais e o que for mais necessário para fazer música. Não à toa ele é conhecido como "Mr. A Thousand Voices".

Mr. Bungle - Mr. Bungle.
(Fonte: http://upload.wikimedia.org)
Talvez consciente do seu próprio talento, o cara nunca parou quieto e vez basicamente todos os tipos de música possíveis. Rock, funk metal, bossa nova, pop italiano dos anos 60, jazz, grindcore, trip hop... díficil é dizer um estilo em que Patton não tenha colocado seus vocais. Tem projetos ou parcerias com gente que vai de Bebel Gilberto, Norah Jones e Bjork até Dave Lombardo (Slayer), Duene Denilson (The Jesus Lizard) e Buzz Osbourne (The Melvins), tendo uma discografia extensa e absurdamente variada. Neste artigo destaco e comento alguns de seus trabalhos extra-Faith No More que mais me prenderam a atenção e que são presenças frequentes no meu mp3 player.

Mr. Bungle - Mr Bungle (1991): Primeira banda de Patton. Um funk metal nervosíssimo com muitos toques de ska e experimentalismo. Se o Red Hot Chilli Peppers (da década de 80) se encontrasse com o Frank Zappa e resolvesse colocar suas distorções no máximo, talvez saísse algo parecido. Este é o único outro álbum da carreira do vocalista em que ele usa a voz mais aguda que conhecemos do Real Thing (Faith No More). Ouça: Quote Unquote e My Ass Is On Fire.

Fantômas - Director's Cut.
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Fantômas - Director's Cut (2001). Fantômas foi a primeira banda não-FNM do Patton que tomei contato. Na época eu alugava CDs numa lojinha e me deparei com o primeiro álbum dos caras na estante. Imagina minha empolgação ao ver na capa o nome do músico ao lado do ultra-baterista Dave Lombardo! Imaginei que aquilo seria uma mistura de FNM com Slayer. Aluguei, fui correndo pra casa e... não entendi nada. Aliás, até hoje acho os trabalhos do grupo difíceis de serem digeridos. É com (quase) toda a certeza a banda mais noise do cara. A exceção é este Director's Cut, que traz versões pesadíssimas de trilhas sonoras de filmes, em sua maioria antigas produções de suspense e terror. Esse sim, soa como um híbrido entre a violência do Slayer e a esquizofrenia do FNM da época Angel Dust. Todas as faixas são absolutamente imperdíveis! Ouça:  Der Golen e Rosemary's Baby.

Lovage - Music To Make Love To Your Old Lady By
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Lovage - Music To Make Love To Your Old Lady By (2001): Perfeito pra tocar em todos os cabarés da sua cidade. Neste álbum Patton se uniu à vocalista Jennifer Charles e ao DJ Kid Koala, sob produção de Dan the Automator, para produzir música altamente sexual. O negócio aqui é alguma coisa entre o trip hop e o lounge, com algum toque setentista, e letras safadas e sarcásticas. A primeira associação que vem à cabeça é com o Portishead, se a banda se enchesse de Caracu e ovo de codorna. É difícil ouvir este álbum sem se imaginar em um daqueles bares de strip que sempre aparecem em filmes norte-americanos. Ouça: Sex (I'm A) e Book Of The Month

Tomahawk - Mit Gas.
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Tomahawk - Tomahawk (2001) e Mit Gas (2003): Neste grupo o vocalista está ao lado de Duane Denison, guitarrista do The Jesus Lizard, e do poderoso baterista John Stainer (Helmet, Battles). O baixista varia: nestes álbuns foi Kevin Rutmanis, que já tocou com o Melvins. Imagino que deva ser a banda que a maioria dos fãs do FNM deve preferir, já que é bem menos experimental e bem mais parecido com sua banda mais famosa do que os outros projetos do vocalista. Pra mim o Tomahawk, em seus dois primeiros trabalhos, soa mais ou menos como o FNM em seus tempos de King For A Day. Ouço Rape This Day e escuto ecos de Digging The Grave, por exemplo. Não à toa é a segunda banda dele que mais ouço (não preciso dizer a primeira, certo?). O que mais diferencia as duas bandas são interessantes inserções eletrônicas e batidas quebradas de bateria que parecem ter saído de um álbum do Prodigy (porém tocadas por bateria "de verdade"). Ouça: Laredo, Capt. Midnight e Mayday.

Peeping Tom - Peeping Tom.
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Peeping Tom - Peeping Tom (2006): Na época do lançamento, eu li que Mike andava achando a música radiofônica uma porcaria e resolveu fazer seu próprio álbum pop. Com colaboradores como Norah Jones, o grupo Massive Attack e Bebel Gilberto, o vocalista gravou um CD de pop, rock, rap e trip hop. Você, fã de rock e metal, teve calafrios agora, né? Vou te dizer, o CD é incrível! Bem tocado, bem produzido, criativo... animal! O álbum está anos-luz à frente do que se ouve pelas rádios por aí. Os arranjos são de extremo bom gosto e todas as músicas têm bastante peso, provenientes de riffs de guitarra ou das intensas linhas de baixo e batidas de bateria. Esse trabalho prova que o pop não precisa ser bunda mole. Ouça: Sucker e Kill The DJ.

Tomahawk - Anonymous.
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Tomahawk - Anonymous (2007): Não aguentei e coloquei outro àlbum do Tomahawk na lista! Este CD é completamente diferente dos dois anteriores. Nele a banda resolve finalmente assumir o lado índio que o nome da banda indica e faz um trabalho conceitual baseado em músicas nativo-americanas. O resultado não poderia ser melhor. Longe do metal alternativo das gravações anteriores (apesar de uma ou outra faixa ainda ser mais pesada e guitarrística), a banda cria aqui canções belíssimas, misturando cantigas rituais com música mais moderna. Ouça: Ghost Dance e Crow Dance.

O cara produz demais, nem ele próprio deve se lembrar de todos os projetos em que esteve envolvido. Seus companheiros de bandas e estilos musicais sempre mudam, a única constante em seus trabalhos é a qualidade. Onipresente e onipotente Mike Patton pode ser considerado de fato um deus da música, espalhando seu brilhantismo onde quer que se meta. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os paulistas do Xingu

Marlon Villas

Irmãos Villas-Bôas (atores Caio Blat, Felipe Camargo e João Miguel).
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)
Um brasileiro não possui normalmente a curiosidade de conhecer seu próprio país. Ficamos todos fascinados pela tecnologia, hoje ao alcance da mão ou de um cartão de crédito, fascinados/acostumados pelas grandes cidades cheias de iluminações em neon, salas de cinema e boates, e esquecemos de que esta nação é tão grande quanto sua desigualdade econômica, com tamanha disparidade cultural que, como já ouvi diversas vezes de diversas bocas (principalmente nas regiões Sul e Sudeste), "nem parecemos ser gente do mesmo povo".

Por isso existe tanta gente mais preocupada em tirar fotos ao lado de grandes monumentos das maiores capitais tupiniquins, ou louca para esbarrar em alguma celebridade da tevê (a grande parte centrada no eixo Rio-São Paulo, como de praxe), do que se aventurar pela vastidão exótica e tão diversificada que esta terra oferece.
Comemoração.
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)

Por isso existe tanto brasileiro despreocupado em conhecer de fato o que constitui esta imensa repúblicca em sua totalidade.


Recentemente assisti ao filme Xingu, dirigido por Cao Hamburger, que conta a saga de Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas pelas terras do estado de Mato Grosso e do Pará, no início dos anos 1940. Uma história verídica de três irmãos paulistas que decidiram abandonar tudo e partir em busca de um desbravamento por regiões até então desconhecidas pela maioria dos cidadãos, dentro de uma expedição do marechal Cândido Rondon, um militar e sertanista reconhecido internacionalmente por suas ações de integração nacional na Amazônia brasileira. A missão era baseada em reconhecer, catalogar a geografia e firmar postos de localização para o governo.

Os desbravadores, quase todos homens simples e ignorantes, que apenas desejavam ganhar a vida de alguma maneira, ao se depararem com tribos indígenas ao longo dos caminhos que percorriam, muitas delas sem prévio contato com a civilização "branca", tiveram desconfiança dos nativos, e vice-versa. Depois foram sendo criados laços de convivência entre os dois lados, duas culturas completamente distintas. Anos mais tarde, em 1961, foi criado o Parque Nacional do Xingu, graças ao esforço, sem sombra de dúvida hercúleo, destes irmãos, que compreenderam a importância de preservação não só da fauna e da flora de toda aquela região, mas também dos costumes dos povos ancestrais que ali habitavam.
Desbravamento.
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)

Xingu retrata não somente a riqueza do país em sua regiões Centro-Oeste e parte do Norte, mas o que poucos homens são capazes de realizar diante de um ideal como nação, algo que, infelizmente como brasileiro, não consigo ver em meus compatriotas tão frequentemente. O filme resgata, a meu ver, um pouco daquilo que todo cidadão desta nação deveria aprender a valorizar mais: o real sentido de integração nacional, em todos os quesitos.

Um Brasil não é feito apenas de praias bonitas, belos locais turísticos, futebol, pagode, churrasco e miscigenação de raças e imigrantes, a meu ver. Tem algo muito mais profundo, urgente e majestoso por trás de tudo isso. Qual o verdadeiro orgulho de se dizer brasileiro, afinal de contas? Já parou para pensar nisso?

Título: Xingu
Lançamento: 2012
Direção: Cao Hamburger
Duração: 142 minutos