terça-feira, 30 de outubro de 2012

Suécia 1 X 1 EUA

Danilo Altman


Existem mais preconceitos entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. Acredito que tudo que existe no mundo tem alguém pra odiar e ter preconceito. Vamos pensar em cinema agora. Tem gente que tem preconceito de filme europeu, tudo muito chato, ou de cinema americano, blockbusters sem cérebro, ou de filmes brasileiros, ou de filmes de aventura, ou de filmes de arte, ou de animações, ou de chanchada... e por aí vai. É aí que chego nessa interessante disputa entre Suécia e EUA, com suas versões de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres e Deixa Ela Entrar (no original em sueco, ou Deixe-me Entrar, na versão americana).

Dentre os filmes lançados nos cinemas  brasileiros este ano, o que mais gostei (ou pelo menos, um dos) foi o Homens..., de David Fincher. Fincher, alias, é um dos meus diretores preferidos. O cara é responsável por filmaços como Seven, Clube da Luta e Zodíaco. Mesmo filmes "menores" dele, como Alien 3 ou O Curioso Caso de Benjamin Button têm diversas qualidades e não podem, de maneira nenhuma, serem considerados filmes ruins.

Investigações com sotaque sueco...
(Fonte: http://ci.i.uol.com.br)
Sendo assim, fui prontamente atraído a conferir o projeto. As primeiras imagens da atriz Rooney Mara caracterizada como a personagem Lisbeth Salander só aguçaram minha curiosidade e, ao ouvir a corajosa e impressionante releitura de Immigrant Song, do Led Zeppelin, pela dupla Trent Reznor e Karen O (Yeah Yeah Yeahs), a qual entraria na trilha sonora do filme, eu já tinha decidido que não poderia perder a oportunidade de ver o filme no cinema.

E ele não decepcionou nem um pouco. Gostei bastante do roteiro, mas foi a direção segura de Fincher, somada à belíssima fotografia, trilha sonora espertíssima e as ótimas atuações, em especial à brilhante atuação de Rooney Mara, que me convenceram. O filme me transmitiu uma sensação de incômodo e de opressão que me jogava dentro da tela, como se eu estivesse lado a lado com todos aqueles complexos personagens. Não li o livro e não sei dizer se o filme é uma transcrição perfeita da história ou se foi bastante adaptado, fato é que os Homens... funcionou otimamente na telona. Um thriller de classe.

... e com sotaque norte-americano.
(Fonte: http://3.bp.blogspot.com)
Gostei tanto do filme que resolvi baixar a trilogia Millenium sueca. Que diferença! Os Homens... sueco tem uma cara de telefilme safado. O ritmo do filme é meio truncado, lento. O enredo possui arestas demais, que foram muito mais bem resolvidas na versão ianque. Por fim, a Lisbeth da atriz Naomi Rampace é bem executada, mas empalidece perto da visceral interpretação de Rooney Mara. 

Com Deixa Ela Entrar percorri o caminho contrário e assisti ao sueco antes. Vi excelentes críticas e comentários sobre o filme pela internet afora e me interessei em assistir. E que filme! Os pobres dos vampiros precisavam de um filme assim. Ele foge de tudo que tem sido feito no gênero ultimamente. Não é uma história pop e açucarada como os Crepúsculos, e nem aventura como os Underworld. Tão pouco tem a ver com clássicos como Drácula e Entrevista Com O Vampiro.

Neste filme a história principal é do menino Oskar. Filho único de pais separados, tímido e retraido, Oskar é alvo de bullying na escola. Sua rotina muda com a chegada da nova vizinha, a vampira Eli, e seu "pai". O filme é mais sobre a vida do menino, sofrendo na escola e em casa, do que sobre vampirismo em si. A chupadora de sangue aqui entra como uma alegoria à violência e à solidão, a ser um pária da sociedade, às dificuldades da transição infância-adolescência.

Terror de um lado do Atlântico...
(Fonte: http://1.bp.blogspot.com)
A película tem uma aura cult e delicada, fazendo com que o espectador possa ir pensando, se deliciando com os pormenores das cenas e tirando suas próprias conclusões.

Curti tanto o filme, que assim que saiu a versão americana, eu quis assistir (e, mais recentemente, ao saber do lançamento do livro que deu origem aos longas, corri atrás para comprar meu exemplar).

Verdade seja dita, a versão americana não é ruim. Aliás, os atores (poxa, tem a Hit-Girl como vampira!) e efeitos são melhores, e a história é praticamente a mesma. 

... e do outro.
(Fonte: http://blogs.independent.co.uk)
Entretanto, depois de ver o filme me perguntei qual foi a intenção da refilmagem. A impressão que tive é de que o projeto foi conduzido por apenas um motivo: preguiça do público norte-americano. Preguiça de ler as legendas e principalmente preguiça mental de notar as sutilezas do filme original, que aqui foram todas escancaradas de forma didática, fazendo com que a história perdesse bastante da força que tinha.

Pra mim o mais interessante de ter visto esses quatro filmes foi perceber o quanto a mão do diretor pesa em um filme. De histórias iguais podem sair filmes muito diferentes, dependendo do estilo e competência dos envolvidos no projeto. 

E mais do que isso, vendo esses filmes ficou ainda mais reforçada na minha cabeça a ideia de que qualquer tipo de preconceito é imbecil, conheça/assista/leia/whatever antes de julgar alguma coisa.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Robert Plant do século XXI

Danilo Altman


Tenho uma teoria que qualquer banda ou artista tem uma "vida útil" de uns 10 anos no máximo. Sério, pensa em algum grupo ou artista que você curta bastante, tem 96,4% de chance de que seus albuns preferidos estejam na primeira década da carreira do dito cujo. Tem dois tipos mais comuns de envelhecimento pras bandas, ou elas começam a fazer discos genéricos, emulando seus primeiros sucessos eternamente, ou tentam se reinventar completamente, ficando descaracterizadas. Assim, foi com grata surpresa que descobri que Robert Plant foge a regra e tem envelhecido de forma totalmente digna.

O deus dourado.
(Fonte: http://brasilia.deboa.com)

A não ser que você tenha morado em um universo paralelo nos últimos 40 e poucos anos você sabe que Robert Anthony Plant foi vocalista do Led Zeppelin. Este escriba considera que este foi o grupo de rock definitivo. O baterista ogro, o baixista caladão e enigmático, o guitarrista prodígio e o vocalista talentoso e afetado, se alguém personificou todos os arquétipos de uma banda de rock foi o Led. Os músicos eram incríveis, as performances matadoras e as composições maravilhosas. Ok, tem essas histórias de plágio, mas para pra ouvir as músicas acusadas. Uma ou outra música foi realmente chupada (e, em geral, bastante melhorada) de alguém, mas grande parte desses supostos plágios são forçados. Uns tem pouquíssimo a ver, enquanto outros tem 1 ou 2 segundos de homenagem em 6 ou 7 minutos de música. Acredito que essas histórias até servem para aumentar toda a mitologia da banda, ao lado das acusações de ocultismo e afins.

Bem, sobre o Led não tem mais o que escrever. Um montão de gente já declamou sobre as incríveis qualidades do quarteto inglês e qualquer coisa que eu falasse aqui seria redundante. O negócio aqui é sobre o Plant, já que essa semana ele inicia sua tour pelo Brasil, e mais especificamente ainda sobre os albuns lançados de 2001 pra cá.

O Led acabou em 1980 após a morte do baterista monstro John Bonham e já em 1982 Plant dá o chute inicial em sua carreira solo com o album Pictures at Eleven. Sinceramente? Eu nunca tinha me interessado em ouvir nada dele na fase pós-Zep. Isso só mudou quando ele lançou o album Band of Joy em 2010. Achei curioso ele estar resgatando o nome de sua primeira banda no album e resolvi dar uma chance pra bolacha. Meu amigo, que surpresa! Já nos acordes iniciais de Angel Dance eu vi que o negócio ali não era brincadeira. Folk, rock, blues e country se misturam em músicas excelentes. Os arranjos são todos de arrepiar desde de releituras de músicas tradicionais como Satan Your Kingdom Must Come Down ou como em Silver Rider e Monkey, os covers da desconhecida e atual banda indie rock Low.

É obvio que o cara já não tem mais a potência vocal que o caracterizava nos anos 70, mas seu timbre inconfundível e o feeling por trás de cada verso estão lá.

Assim como Rob Gordon, o personagem de John Cusack no ótimo filme Alta Fidelidade, eu também tenho mania de fazer listas, e em 2010 coloquei, sem pestanejar, Band of Joy como meu CD preferido lançado naquele ano.

Ainda assim, não me ocorreu de procurar por outros álbuns do Plant. E novamente tudo mudou um dia em que liguei a tv aleatoriamente em um canal de música, onde estava sendo apresentado um show dele de 2005. O que era aquilo! Que apresentação fantástica! Apesar de não conhecer praticamente nenhuma música, fiquei hipnotizado pela competência, qualidade e carisma que emanavam de Plant e sua banda. Mal acabou o show na tv e corri pra procurar a discografia do cara na internet. Por ser muito extensa, resolvi baixar apenas uma parte para poder apreciar melhor. Assim, decidi me ater aos CDs mais recentes, baixando apenas os trabalhos Dreamland (2002), Mighty Rearranger (2005) e o elogiadíssimo Raising Sand (parceria com a cantora de bluegrass Alisson Krauss, de 2007).

Raising Sand é seu trabalho mais delicado, com um som mais etéreo, a não ser pelo interessantíssimo folk metal Nothin'. Além desta, destaco a faixa de abertura Rich Woman, Sister Rosetta Goes Before Us e seu lindíssimo arranjo de banjo, Fortune Teller com suas guitarras cheias de efeitos e a melancólica Your Long Jorney. O álbum evoca sentimentos de velho oeste o tempo todo. Se existe sertanejo universitário, isso aqui é um sertanejo com 3 pós-doc em Oxford.

Belas capas para belos trabalhos.
(Fonte: Wikipedia)

E então ouvi Dreamland e Mighty Rearranger. Não vou separar os dois aqui, considero trabalhos-irmãos, onde Plant usou de forma madura e inteligente elementos novos e antigos ao mesmo tempo. Ele teve a manha de juntar folk, blues e country antigos a elementos eletrônicos, progressivos e até a heavy metal de forma orgânica, sem que sua música ficasse datada demais ou sem forçar uma modernidade exacerbada. Tenho dificuldade até de fazer algum destaque aqui, cada música tem sua cara própria, transpirando criatividade e atitude. Não tenho pudor nenhum em dizer que estes estão entre os melhores álbuns que Plant gravou na vida. Sim, melhores até do que alguns registros feitos com o Zepp. O cara conseguiu, com mais de 50 anos de vida e mais de 30 de carreira, ser mais inventivo e produzir trabalhos muito mais significativos do que praticamente todos os artistas novos do século XXI. Considero que esses CDs estão facilmente num TOP 20 ou 30 de tudo que foi produzido de 2001 pra cá.

Sábado agora (20/10/12) será um dia histórico para mim, verei ao vivo o golden god do rock aqui em BH, um dos poucos artistas que soube envelhecer com dignidade, respeitando sua história, porém sem parar no tempo.

domingo, 14 de outubro de 2012

A outra história (interna) do rock

Marlon Villas

Ramones, fab four punk.
(Fonte: http://www.filmjackets.com/)
Estranho como uma coisa pode virar contra si mesma. Vamos começar com algumas definições, de acordo com o dicionário (pode ser qualquer um):

Discriminação significa o ato de distinguir, separar, apartar alguma coisa ou alguém de qualquer meio geral e comum, por assim dizer. Preconceito já envolve, como o nome sugere, "pré-conceitos", opiniões e julgamentos pré-formados sobre algum assunto ou objeto, sem antes mesmo de conhecê-lo mais profunda ou detalhadamente. Percebam que as definições são diferentes, ainda que de um modo um tanto sutil.

O rock e todas as suas vertentes sofre de ambas as definições. É motivo de preconceito pela massa social enganada/desinformada pela grade mídia, que também não entende o que vem a ser o rock, sua importância, sua história, seus estilos, costumes e outros adendos mais. E o que, de certa forma, demorei para enxergar, talvez porque não pensasse muito por esse ângulo quando se tratava do tal assunto: o rock sofre discriminação por parte de seus próprios fãs, o que não deixa de ser um paradoxo, no mínimo, curioso.

Lynyrd Skynyrd, que homenageou um professor que pegava no pé deles.
(Fonte: http://www.collapseboard.com)
Está certo, quem nunca pratica discriminação ou preconceito vez em quando é um mentiroso, ou grande hipócrita. Todos temos nossas cotas de um ou de outro, isso é fato. Bem como é fato também certas pessoas terem o estereótipo do roqueiro em geral como um deliquente, desajustado, encrenqueiro, viciado em todo tipo e quantidade de drogas. (Em tempo: uma vez, uma garota - que adorava sertanejo, pagode, entre outros estilos musicais dessa linha dita popular - me perguntou por que eu gostava desse "tipo de coisa", já que eu era um sujeto tão gentil, inteligente etc... Tive de dar uma pequena aula sobre a diferença entre o roqueiro e a imagem distorcida e preconceituosa que fazem dele. Mesmo assim, ela não se convenceu do que eu estava falando. Isso é o que o preconceito fortemente enraizado é capaz de produzir.) Porém, se for o caso, volto a este tópico mais especificamente em outra postagem.

O motivo de estar escrevendo todo esse palavrório é outro: a discriminação interna do rock. E eu pensava que isso, embora existisse, como em outras coisas nesse mundo, não fosse levado tão a sério - engano bastante infeliz o meu.

Johnny Cash dispensa comentários.
(Fonte: http://www.billboard.com)
Costumo acessar alguns sites de rock para obter mais informações a respeito de bandas, shows, histórias, biografias, curiosidades e outros assuntos dentro do rock, uma fonte impressionantemente extensa para conversas  em bares, festas e pizzadas na casa de amigos. E o que comecei a me dar conta, entre matérias de diversos assuntos e títulos, é a quantidade de comentários discriminatórios, incluindo xingamentos e comparações descabidas de bandas, artistas, até mesmo discos e músicas. Punk falando mal de heavy metal, heavy metal denegrindo o thrash metal, thrash metal humilhando metal progressivo, progressivo escarnecendo de death metal, e por aí vai, porque a lista é muito longa. Uma batalha de gostos que não tem o menor sentido, por mais que se procure algum no meio de tanta discussão irracional. E o pior de tudo é que os autores das frases ainda fazem pose de intelectuais e donos da verdade, como se gostos e estilos fossem algo totalmente desprovido de subjetividade.

Blind Guardian, de Krefeld, Alemanha.
(Fonte: http://www.blind-collection.com)
Uma coisa escrita alguns parágrafos acima foi de que sertanejo, pagode e outros estilos musicais são ditos populares. O que muita gente não entende é que o rock, este sim, é o estilo musical mais popular do planeta, pois em todos os continentes ele é aceito, e em várias facetas: países escandinavos são fábricas de grandes bandas de black e death metal; a Inglaterra, com algumas das bandas dos primórdios do hard rock e heavy metal, como Black Sabbath, Led Zeppelin e Deep Purple, e outras da chamada New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), como Iron Maiden, Saxon, Diamond Head, impulsionaram toda uma nova maneira de fazer som pesado, veloz e com técnica que não deviam nada a grandes compositores do passado, de outras décadas, eras e estilos; o rock australiano, também conhecido por alguns como "aussie rock", já produziu algumas pérolas como AC/DC, Midnight Oil, Men at Work e várias outras bandas; o Japão é sempre palco de grandes shows de todos os estilos, do hard rock ao thrash, do rock alternativo ao power metal; Brasil é um berço de grandes bandas em quase todos os tipos de rock, vide Sepultura (thrash metal, inicialmente death metal), Angra (metal melódico), Titãs (pop rock), entre tantos outros. Não há canto algum do mundo em que ainda não se tenha ouvido acordes dos Beatles. A figura de Elvis Presley é imitada e cultuada por muitos, dos mais jovens ao mais velhos.

O que há de errado, então? Talvez falta de unidade entre os fãs dos diferentes gêneros e subgêneros de rock? Bem provável. Essa falta de unidade se vê claramente em fóruns de rock, onde você pode emitir sua opinião, obviamente, contanto que não extrapole a regras de civilidade - detalhe que, muitas vezes, é ignorado pelos autores de alguns comentários infelizes e sem propósito - tais comentários são feitos simplesmente para provocar outras pessoas que acessam estes fóruns, sem respeito à opinião e gosto musical alheios. E, volto a enfatizar, estes comentários ruins, em sua grande maioria, são de pseudointelectuais e pessoas que não buscam saber corretamente as informações sobre o assunto tratado. O que não consegui entender até hoje é de onde surgiu essa rivalidade entre estilos de rock - lembrando, a rivalidade é de todos contra todos, basicamente. Claro que há roqueiros que não se dignam a fazer papel de bobo como esse e respeitam o gosto dos seus vizinhos, mas a outra grande parcela não vê o rock dessa forma.

Queen, hard operístico e afins.
(Fonte: http://collider.com/)
Como não podia deixar de ser, as inúmeras demonstrações de discriminação por roqueiros contra roqueiros não se limitam à internet: basta frequentar algum bar ou qualquer outro local que dê preferência aos costumes do rock em geral (lojas especializadas em discos, acessórios, camisetas de bandas etc., por exemplo). Certa vez, em um bar de rock onde costumava assiduamente frequentar, um rapaz pediu ao dono do estabelecimento que tocasse algum disco do Aerosmith, banda de hard rock (para muitos, hard/pop rock) que começou sua fama nos anos 1970. Logo que foi atendido o pedido, outra moça em outra mesa, acompanhada do namorado (guitarrista de uma banda local), começou a xingar, em alto e bom som, o dono do bar por ter colocado aquela "merda" para tocar, bem como o "imbecil" que fez aquela escolha. O mais triste de tudo é que, enquanto ela esbravejava toda aquela discriminação, o namorado não fazia nada para impedir o papelão da garota. E o rapaz que pediu o disco também ficou bastante incomodado com a situação, assim como o proprietário do local (que por pouco não expulsou o casal) e vários outros frequentadores naquela noite.

Se alguém souber de algo que possa esclarecer as origens dessa guerra de opiniões, gostos e atitudes no rock em geral, por favor, me avise. Enquanto isso, continuo acessando sites especializados em rock, frequentando bares temáticos no assunto, ouvindo, conversando, tirando minhas próprias conclusões e dialogando, tudo dentro do respeito mútuo, pois afinal de contas, ninguém precisa aturar algum indivíduo com ares e narizes de superioridade.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Pronto Para Recomeçar - Filme

Marlon Villas

Olha, é o seguinte: não sei (e neste momento não me interessa xongas) de onde tiram essas definições pra dizer o que é alternativo dentro de uma cultura como essa em que vivemos, mas é claro que não passa de uma ignorância até saudável da minha parte, disso sim, eu sei. Portanto aviso que não consigo me situar precisamente quando alguém chega dizendo que fulano é indie, que o visual é indie, que a música é indie, que a privada é indie, que Dercy Gonçalves era indie (desculpa, Dercy).

Não era nada disso o que eu queria dizer.

O que eu queria dizer é que, em algum lugar, li que esse filme é indie. Nem consigo definir se isso é um elogio, mas se alguém quiser saber um pouco mais a respeito sobre esta palavrinha (provavelmente do jeito errado, porém com muitos apontamentos bastante verossímeis), acesse http://desciclopedia.ws/wiki/Indie. Então, vamos lá.

Will Ferrell é um ator de comédias que não possui muita expressão facial fora daquilo que ele costuma fazer, que é trabalhar em cenas cômicas estilo pastelão, muitas vezes beirando o grotesco. O sujeito não parece conseguir mais do que o que todo mundo espera dele, sempre com a mesma cara, até quando tenta interpretar um homem mais sério. Ele possui certo carisma e talvez seja bem engraçado, sim, quando o roteiro ajuda. Penso que, no caso de Pronto Para Recomeçar (2011), poderíamos falar assim.
Will Ferrell / Nick Halsey.
(Fonte: http://ci.i.uol.com.br/)

A propósito: a escolha deste título em português tupiniquim ficou péssima. Podiam ter pensado em algo bem melhor, algo mais próximo do original (Everything Must Go). Agora não podemos reclamar, está feito.

Isso aqui está parecendo uma verborreia de indignação contra o filme, mas na verdade o produto final não ficou ruim. Penso que, no fundo, a escolha de Will para o papel de Nick Halsey pareceu dar o efeito desejado para o protagonista, justamente por essa característica ser a mais marcante da personagem, a de estar passando por maus bocados e não ter motivos para ser muito expansivo, afinal.

Nick Halsey é um homem com problemas alcoólicos, e que é despedido do cargo de vice-presidente de uma corporação. Ao chegar em casa, percebe que a esposa foi embora, não sem antes deixar todas as suas tralhas no gramado em frente e mudar todas as fechaduras das portas. A mulher não atende suas chamadas, bloqueia seu acesso à conta bancária e o deixa sem qualquer condição de se reerguer daquele redemoinho trágico. Um modo bem peculiar (entenda-se extremo) de mostrar ao companheiro que o relacionamento já era.
As tralhas do filme.
(Fonte: http://www.filak.com.br)

O que fazer então, quando não há perspectivas de melhora no pior momento de sua vida? Para Nick, o que sobrou foi encharcar o fígado de cerveja enquanto simplesmente espera o mundo passar, sentado em sua poltrona de frente para a rua. É quando conhece Samantha, a nova vizinha que acabou de se mudar para o bairro sem o marido e grávida, interpretada por Rebecca Hall (aquela tal amiga da Scarlett Johansson que não sabe bem o que quer da vida no filme Vicky Cristina Barcelona, com a mesma expressão meiga, porém mais madura, em algum sentido), e Kenny, um garoto obeso que não parece ter amigos e gosta de andar de bicicleta o dia todo, incorporado por Christopher J. Wallace.

Quando Nick resolve, por sugestão de um amigo, montar uma venda de garagem (ou melhor, de jardim,) de seus pertences (tradição norte-americana, poderíamos ter mais disso pelas bandas de cá), vai se apercebendo de que pode haver outra maneira melhor de seguir sua vida, pois mais que não desejasse isso. Aos poucos cai em si, vendo que tudo o que está no gramado, de certa forma, define aquilo que ele foi e que precisa ser revisto.

É uma daquelas histórias com toques de humor, sem qualquer fator que se possa chamar de surpreendente, porém com um aspecto de drama permeando quase todas as cenas. Continuo sem entender o papo indie (foi mal, Dercy, sinto muito, mesmo), mas o que importa é que o filme até que tem seu charme, pelo contexto real e inusitado como comédia.


Título: Everything Must Go (original) / Pronto Para Recomeçar (Brasil)
Lançamento: 2011
Direção: Dan Rush
Duração: 97 minutos

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A longa viagem de Samsara


Marlon Villas

Capa do álbum The Long Distance Trip (2010).
(Fonte: http://stonerobixxx.blogspot.com.br/)
Tem algo de pegajoso, algo que mexe com as entranhas de um modo quase subliminar (se é que posso usar esse termo aqui), no som desses caras que, pra mim, se transforma em grato contentamento toda vez que escuto o álbum, ainda que já o tenha escutado várias vezes. Pode ser também que um tempero bom para acompanhar as músicas seja a cerveja gelada, como neste justo momento, junto de um cigarro bem tragado com sua fumaça atrapalhando minha vista enquanto escrevo esse texto.

Ou o motivo principal, quem sabe, seja apenas um lado melancólico-contemplativo-meditativo que pratico frequentemente com meu cérebro, que nessas horas dá a impressão de absorver a plenitude dos pequenos detalhes das coisas que me rodeiam. De vez em quando.

Descobri o Samsara Blues Experiment, que iniciou sua marcha em 2007, mexericando no site Whiplash (http://whiplash.net/), uma boa alternativa no Brasil para quem busca algumas ideias sobre o novo e o velho na música do gigantesco mundo do rock. E a surpresa foi total quando escutei o trabalho desse grupo alemão de quatro membros, muito provavelmente porque me sentia cansado há algum tempo da mesmice que andava escutando vasta rede mundial afora (vide Eram os deuses headbangers?).

Em princípio apenas me pareceu ser uma banda como tantas outras, que não deveria ter nada especial a acrescentar à minha experiência de apreciador de sons, confesso. Foi depois da primeira ou da segunda música que percebi que o que eu começava a receber em meus ouvidos saturados era algo a ser considerado com mais cuidado. E existia algum fundo de verdade nisso.

O quarteto alemão - Samsara Blues Experiment.
(Fonte: http://blues.gr/)
Se você gosta de uma experimentação sonora com base naquelas preciosidades que, para muitos que aprenderam o que é rock há pouco tempo, deve soar como uma velharia mofada e ultrapassada que o papai ou o titio escutavam quando tinham espinhas no rosto, o álbum  Long Distance Trip (2010) do Samsara pode causar nostalgia de um jeito diferente, de um jeito que parece-que-já-ouvi-isso-mas-é-como-se-tudo-recomeçasse-agora. Tudo bem, reconheço que essas palavras têm cara de exagero, mas é como me senti na primeira vez, e ainda me sinto.

O álbum possui apenas 06 faixas, porém totaliza um tempo de mais de uma hora de densa psicodelia (lembre de Pink Floyd), com certa agressividade contida nas passagens da guitarra (lembre de Blue Cheer e, talvez, MC5 e Dust, também), com toda uma criatividade de um dos melhores do gênero na história (lembre de um tal de Jimi, criador de pérolas como Little Wing e Voodoo Child). Agora misture tudo no liquidificador.

Em Long Distance Trip posso citar coisas que mereceram especialmente minha consideração (e vão continuar merecendo por um bom tempo, creio), como as compridas e bem lapidadas Singata Mystic Queen e Center Of The Sun – essa eu acho um belo trabalho alucinógeno através dos canais auditivos, vai por mim. Mas o conjunto todo é um presente bem-vindo para alguém disposto a encarar uma Viagem de Longa Distância musical e sem pré-julgamentos.
Álbum: Long Distance Trip
Artista: Samsara Blues Experiment
Lançamento: 2010
Gravadora/Distribuidora: World In Sounds Records

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Baroness - Yellow And Green (2012)

Danilo Altman

Verde e amarelo: caos e progressivo.
(Fonte: http://baronessmusic.com/)
Esse foi como um livro que julguei pela capa. Ao ver em algum site a belíssima ilustração do Blue Record em 2009, fiquei imediatamente tentado em ouvir o som que se escondia por trás daquele desenho fantástico, e assim fiquei imediatamente fã desta banda inclassificável.

Esperei ansiosamente pelo lançamento deste Yellow And Green desde que li a primeira notícia sobre ele. Passei algumas semanas entrando todo dia no newalbunsreleases.com pra ver se vazava. Após tanto desespero, finalmente chegou o momento de ouvir a bolacha. Esperei o maldito minuto antes de fazer o download, escrevi o captcha, cliquei para iniciar o download. Vem ni mim, Baroness! Infinitos 15 minutos depois, emocionado, finalmente apertei o play.

Que decepção.

Não consegui digerir a proposta do trabalho, assim de cara. Achei prog demais. Aquela coisa da expectativa, sabe? Foi como quando você dá aquela garfada numa lasanha e percebe que, na verdade, era beringela.

Cadê uma porradaria tipo A Horse Called Golgotha, ou War, Wisdom And Rhime? 

Escutei umas 2 vezes, fechei a cara e deixei empoeirando no HD.

Até que uns tempos depois quase a banda foi desta para melhor, pior, para a mesma ou para o nada, dependendo dos seus conceitos espirituais/religiosos.
Um acidente terrível aconteceu com o ônibus da banda na Inglaterra e quase que tivemos uma nova tragédia Cliff Burton style.


A parte boa é que minha atenção se voltou para a banda de novo e para o cd que provavelmente ia ficar sem ser ouvido tão cedo.

Meu irmão, como ouvir sem expectativas muda tudo. Ou quem sabe foi o tempo digerindo que mudou minha opinião. Não sei, fato é que agora acho o melhor registro da banda e, até o presente momento, disparado o melhor de 2012.

Sim, a banda está soando bem diferente. O vocal John Baizley canta de forma mais limpa e a banda abraçou de vez a faceta rock/metal progressivo que já havia aparecido de forma bem mais discreta no álbum anterior. Mas isso não é pejorativo de forma alguma. Em Yellow and Green o Baroness soa maduro, eclético e desafiador como nunca.

Engraçado é que a primeira faixa (Yellow theme) e a última (If I Forget thee, Lowcountry) são instrumentais bem insossas, que você mal percebe que estão tocando. O álbum ficou parecendo uma delicioso hambúrguer de picanha de 400g em meio a duas rodelas finas de pepino.
Passada a instrumental que abre os trabalhos, a banda entra com tudo em Take my bones away, cujo clip você pode ver abaixo:


A faixa é uma das mais diretas do álbum, um stoner/sludge metal de responsa, não tão violento como as faixas do Blue Record, soando mais como se o Foo Fighters tivesse deixado suas guitarras na musculação por uns anos.

Blue Record - É lindo ou não?
(fonte: http://black-legion-shop.de)
Gosto bastante da música, mas é a partir da faixa seguinte, March To The Sea, que o negócio realmente pega fogo. O belo dedilhado da introdução dá lugar a um baixo poderoso e a um interessantíssimo riff de guitarra. O refrão então nem se fala, com seu fraseado de guitarra que poderia ter saido de um antigo LP do Iron Maiden acompanhando a bateria pesada e as bonitas harmonias vocais.

Daí até a última música deste primeiro cd do álbum, é só musicão. Little Things, com seus riffs dedilhados e diferentes camadas sônicas, é uma daquelas músicas que, cada vez que ouve, você descobre uma coisa nova. Já Twinkler é uma lindíssima balada folk. Imagino que ela serviria de forma soberba como trilha sonora de um bom road movie.

A longa introdução de Cocainium dá início à uma série de músicas que eu classificaria como Pink Floyd ogro. Baixo pulsante, riffs pesados, passagens psicodélicas se misturam de forma totalmente orgânica nesta música.

Back Where I Belong dilui a parte ogra da faixa anterior, acentuando mais a tendência prog e psicodélica com seus interessantes efeitos de guitarra, enquanto Sea Lungs toma o sentido oposto, apostando mais no peso das guitarras. Seu riff principal, apesar de simples, consegue passar peso e melodia de uma forma impressionante. O forte refrão torna a música ainda mais memorável.

Este primeiro cd se encerra com outra da série "Pink Floyd ogro", Eula. Enquanto as guitarras soam leves e climáticas, o baixo imprime um peso absurdo à faixa. A progressão da música se dá de forma incrível e o ouvinte consegue sentir sua adrenalina aumentar mais e mais, conforme as guitarras vão se tornando mais aparentes. Duvido que você não vai passar o resto do dia cantarolando "And I can’t forget the taste, Can’t forget the taste of my own tongue".

O segundo cd abre com a melhor instrumental de todo o albúm, a Green Theme. A inesperada entrada da bateria é praticamente um soco na cara. Não tem uma vez que eu escute essa faixa, e que eu não abra um sorriso e comece a balançar a cabeça nesta parte.

Assim como no disco anterior, a primeira faixa pós intro, Board Up The House, é um eficiente stoner/sludge metal, soando como algum rock clássico dos anos 70 que havia sido perdido por aí. É uma faixa simples, mas extremamente eficiente.

Ao ouvir Foolsong, procurei saber se o David Gilmour tinha participado da composição. É uma faixa que evoca Pink Floyd em cada segundo. A seguinte, Collapse, mantém a pegada puramente progressiva, entretanto soando mais moderna com as eficientes inserções eletrônicas.

E é assim que chegamos ao momento alto do álbum. Psalms Alive. A bateria, perdida entre uma batida militar e algo mais eletrônico, faz a cama para os acordes limpos de guitarra e as harmonias vocais que soam folk. A música vai assim até a metade, como em um primeiro ato de filme, te preparando para o que vai acontecer em seguida. Calmaria antes da tempestade, saca? Quando os riffs distorcidos entram você se sente em meio a um estouro de boiada. Até agora não consegui ouvir essa música sem ter que repeti-la instantaneamente pelo menos mais uma ou duas vezes em seguida.
As caras de nerd enganam.
(Fonte: http://www.blogcdn.com/)

Strechmaker, a bonita instrumental que se segue, soa mais como uma vinheta entre a Psalms Alive e a próxima, The Line Between. Música essa que começa com riffs pesadíssimos, parecendo que vai ser uma desgraceira como músicas de álbuns passados, entretanto, após essa introdução o que ouvimos é um ótimo hard rock, destes perfeitos para se dirigir por uma estrada. Assim como a Board Up..., essa faixa também parece ter vindo diretamente dos anos 70.

Só agora notei o quanto já escrevi. Mas é que realmente estou apaixonado por este trabalho, e isto, na verdade, foi mais uma carta de amor do que um review.

P.S.: O responsável pelas ilustrações da banda é o próprio vocalista/guitarrista John Baizley. Pra quem se interessar mais pelo trabalho dele como ilustrador, pode ver no site http://aperfectmonster.com/.

Álbum: Yellow And Green
Artista: Baroness
Lançamento: 2012
Gravadora/Distribuidora: Relapse Records