quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Luz . Câmera . CLIPE! (Parte I)

videoclipe | s. m. : Curta-metragem que ilustra um tema musical ou apresenta o trabalho de um artista.  Sinônimos: clipe, teledisco.

A definição acima (em letras quase garrafais) são a definição no dicionário, mas basicamente um videoclipe (videoclip, clip ou clipe) é um filme curto que interage com imagens e música, produzido para fins promocionais e/ou artísticos. Apesar de hoje em dia serem utilizados – em sua maioria – como meio de divulgação ou marketing, ainda são muito apreciados. Nesse, e nos próximos posts, vamos tentar explorar um pouco dessa ‘Jugendstil televisiva’, essa Art Noveau contemporânea, verificando os aspectos que começaram ainda no cinema mudo e chegaram aos videoclipes, como os conhecemos hoje.  

Joe Stern e Edward Marks: os "criadores do videoclipe". À esquerda, uma propaganda de  uma lanterna mágica tripla

Em 1894, os americanos Edward Marks e Joe Stern, editores de partituras musicais, contrataram o eletricista George Thomas e vários artistas para promover as vendas de sua música ‘The little lost child’. Utilizando uma lanterna mágica – um projetor de imagens provavelmente desenvolvido por Christian Huygens no séc. XVII – George Thomas projetou uma série de imagens em uma tela, simultaneamente a performances da música ao vivo. Essa forma de entretenimento tornaria-se conhecida como “canção ilustrada”, o que seria o primeiro ‘videoclipe’ a ser feito na história. Se eles usaram o 'clipe' para auxiliar a venda de sua música, eles obtiveram grande êxito, pois venderam mais de dois milhões de cópias das partituras de sua música. 

Algo desnecessário de ser dito é que o que contribuiu massivamente para a criação dos vindouros videoclipes foi o avanço das técnicas de cinema.  No início do século passado, os filmes, inicialmente mudos, começariam a agregar sons sincronizados (previamente gravados), por volta da década de 1920. Posteriormente, com uma tecnologia melhorada, alguns diálogos sincronizados começaram a ser incorporados e esses filmes começaram a ser conhecidos como ‘fotos falantes’. As técnicas foram melhorando e muitos musicais curtos passaram a ser produzidos (diga-se de passagem, Cary Grant e Hupmfrey Bogart , conhecidos atores americanos, estrearam em filmes dessa leva, como em “This is the night” e “The dancing Town”, respectivamente). Na década de 1930 o processo de incorporação de áudio em filmes chegou a ser feito de forma inovadora, fazendo com que filmes fossem adaptados à música, e não o contrário. Muitos desenhos animados da época são ótimos exemplos disso – como Fantasia, da Disney. Esses desenhos, inclusive os que assistíamos na nossa infância, possuíam músicas que eram executadas em ‘live-action'. 

Fantasia (Disney): um marco nos desenhos animados em 1940

As décadas passaram e ideias continuavam a surgir na intersecção música-vídeo
            Em meados da década de 1940, o músico americano Louis Jordan (o rei das Jukebox nas décadas de 1930 e 1940) produziu curtas-metragens para suas canções – de acordo com o historiador musical Donald Clarke, esses foram os ancestrais dos videoclipes. Filmes musicais (com qualidade superior às das canções com curtas-metragens) também foram produzidos e muito difundidos a partir dessa mesma década –  podemos citar ‘Os homens preferem as loiras’ (1949) e ‘Amor, sublime amor’ (1957). Em 1958 nasce na França o Scopitone, o que seria uma jukebox com vídeos, fabricado pela Cameca. Algumas variantes surgiram em outros países, como o Cinebox, na Itália, e o Color-sonic, nos Estados Unidos. Em 1959, Jiles Perry Richardson (vulgo ‘The Big Bopper’, um D.J. e cantor americano, nascido no Texas) cunhou pela primeira vez o termo ‘vídeo musical’. Uma curiosidade sobre Big Bopper é que ele possuía uma voz marcante e era muito conhecido na cena rock and roll da década de 1950. Morreu em uma queda de avião em 1959, junto com seu conterrâneo Buddy Holly e o mexicano Ritchie Valens. 

"Os homens preferem as Loiras"(no alto à esquerda), "Amor, sublime amor" (abaixo, à esquerda) e a famigerada maquininha da Scopitone.
Em 1964 foi lançado o filme – em preto e branco - ‘A hard day’s night’, que retratou alguns dias da banda no auge da Beatlemania, intercalando músicas e sequências de diálogos. No ano seguinte os Beatles gravariam o filme ‘Help!’ – em cores. A faixa título, gravada em preto e branco, foi a Pedra de Roseta para os vídeos musicais das décadas seguintes, por conta de ângulos e tomadas de câmera não usuais para a época: foco nas mãos do baterista ou apenas em seu rosto (junto com um pedaço de um dos pratos), a mão esquerda de George Harrison e o braço de sua guitarra vistos em primeiro plano, enquanto, ao fundo, há um desfocado John Lennon, tomadas rápidas das câmeras de cada beatle, seguidas pelo enquadramento de todos eles juntos. quem quiser conferir, veja a partir de 1:08 nesse link http://www.youtube.com/watch?v=jbCVKEUkQzc, onde há o filme completo. Quem assistir ao clipe provavelmente achará que não há nada inovador, mas devemos lembrar que algumas poucas décadas antes as atenções voltavam-se mais para musicais, pois os clipes, propriamente ditos, ainda não existiam ou não eram massificados.  


"A hard day's night"( 1964) e "Help!" (1965)


Ainda em 1965, os Beatles começaram a fazer as chamadas ‘inserções filmadas’ (tradução livre), o que eram simplesmente clipes promocionais para distribuição internacional. Isso permitia que eles pudessem promover seus lançamentos sem ter que fazer apresentações ao vivo. Em 1966, seus filmes promocionais tornaram-se altamente sofisticados: fizeram duas compilações de clipes promocionais para o single “Rain e “Paperback Writer” , dirigidos por Michael Lindsay Hogg, que também dirigiu “Let it Be” (o último filme dos britânicos de Liverpool), além do aclamado “The Rolling Stones rock and Roll circus”, que contou com a participação de John Lennon, Paul McCarney e Yoko Ono (!!). Os clipes para “Strawberryfields forever” e “PennyLane”, ambos de 1967 e dirigidos por Peter Goldman, levaram os clipes a um novo nível, utilizando técnicas de vanguarda como filmagens borradas, slow motion, filmagens de trás-para-frente e adição de filtro de cores na pós produção.


Muitas bandas seguiram essa linha de vídeos promocionais: Bob Dylan, Pink Floyd, The Who... Algumas músicas chegaram a ter mais de um clipe promocional, como foi o caso de "Jumping Jack Flash", do Rolling Stones. Porém seria David Bowie a ter mais notoriedade com seus clipes. O vídeo de “John,I’m only dancing”, de 1972, foi feito com orçamento de apenas US$ 200,00, retratando um ensaio de David Bowie e sua banda.  Esse clipe, entretanto, foi recusado pela BBC, que considerou de muito mal gosto as conotações homossexuais (??) presentes no clipe. Posteriormente o Top of the pops – programa da BBC – exibiria um clipe muito diferente para essa música, com sequências de motociciclistas e dançarinos.  O clipe de “Jean Genie” não causou tanta polêmica, mas também custou pouco: US$ 350,00. Foi filmado em apenas um dia e editado em menos de dois. Nessa década a country music também acabou aderindo a produção de vídeos promocionais.

David Bowie fez o primeiro clipe 'mamilos' da TV britânica

            Pelo que vimos até aqui, os clipes tiveram uma grande repercussão no meio em que foram difundidos, principalmente na Europa. Contudo os E.U.A terão outras enormes contribuições no mundo vídeo-musical. Muito ainda está por vir, mas – (in)felizmente - fica para o próximo post. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Factotum

Marlon Villas


(Fonte: http://2.bp.blogspot.com)
Charles não era só um velho safado e beberrão. Era um velho safado e beberrão que, mesmo sem querer, sabia emocionar falando de coisas triviais e outras nem tanto, algumas realisticamente fantásticas, mas todas com um toque cruelmente sincero e natural. Falava sobre amor, apostas de cavalos, putas, poetas, sujeitos marginalizados. Falava sobre a grande massa social, aquela que suporta, às vezes com uma gargalhada atrás de um cigarro ou de um drinque, diferentes mazelas e porradas que lhes são inflingidas.

Foi ao acaso que descobri, através da internet, que havia sido adaptado para o cinema, em 2005, o livro Factotum, de Charles Bukowsky, com alguns excertos de outras obras suas. Já ouvira a respeito de Barfly (a que também assisti há bem pouco tempo, mas a impressão sobre este filme pode ficar para depois), de 1987, com roteiro do próprio autor, porém desconhecia a feitura do mais recente.

Henry Chinaski, como na película dos anos 1980, é o protagonista do enredo. Muitos consideram esta personagem uma espécie de alter-ego do escritor, que adorava a boemia como uma deusa dos piores/melhores vagabundos, a única forma de expressão da verdade sobre a condição do homem urbano, endurecido e despido de grandes expectativas da vida. E é desse poço de desesperança que Bukowsky extraía a matéria crua que moldava em seus contos e poemas, além de suas próprias experiências pelos bares e pelas ruas sujas de Los Angeles, onde vivia.

O ator escolhido para o papel principal é Matt Dilon, que até já fez alguns bons trabalhos ao longo da carreira, entretanto não foi ainda digno de atenção da Academia de Cinema de Hollywood. Apesar disso, sinto que Dilon interpretou Chinaski de maneira muito convincente, até mesmo poética e comovente, mostrando a falta de rumo  (o subtítulo do filme é Sem Destino, no Brasil) na vida da personagem como escritor que não desiste de sua literatura, mas que perde diversos subempregos, um atrás do outro, por não conseguir se ajustar às convenções de empregador-empregado. Ou apenas porque bebia durante o expediente.

Aliás, uma das cenas mais inspiradoras é quando Henry vai cobrar um cheque por algumas poucas horas trabalhadas em um jornal de onde foi despedido, e explica ao encarregado do setor financeiro que reconhece que o motivo não é nobre, mas que desejava receber o dinheiro para poder encher a cara, porque essa foi sua escolha como homem. Honestidade elevada ao grau máximo.
Matt Dilon e Lili Taylor numa das melhores cenas.
(Fonte: http://cdn-premiere.ladmedia.fr)

Há participações de Marisa Tomei e de Lili Taylor, que interpretam duas mulheres que se envolvem com o protagonista durante sua jornada de autêntico anti-herói norte-americano (Lili, tão pequena e frágil, porém tenaz e inspiradíssima na tristeza que emana, faz com que Marisa seja quase que transformada em uma pálida sombra ao longo do filme), mas quem se sobressai claramente é Matt Dilon, na pele de Henry "Hank" Chinaski (Hank é o apelido do protagonista, que os leitores de Bukowsky conhecem bem, e que aparece escrito no peito de seu uniforme de um dos subempregos que aceita).

Factotum é um filme melhor servido com uma garrafa de uísque, um maço de cigarros, humor ácido e muita, muita dose de humanidade.

Título: Factotum - Sem Destino (original: Factotum)
Lançamento: 2005
Direção: Bent Hamer
Duração: 94 minutos

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Mary e Max (2009)

Karina Pimenta


Esse filme foi lançado no ano de 2009, ou seja, a época em que uma crítica a seu respeito seria algo inovador já passou há alguns bons anos. Particularmente, eu realmente amo esse filme, entretanto, um número relativamente pequeno de pessoas que eu conheço o assistiram. Pensando nisso, sinto que é um dever da minha parte deixar aqui um pequeno texto para auxiliar a disseminar um filme maravilhoso e tocante.

Mary e Max é uma animação australiana do premiado diretor Adam Elliot (Harvey Krumpet, 2003), e se auto classifica como comédia e drama, simultaneamente. Apesar de estar localizado na seção infantil das locadoras, em nada se parece com aqueles já conhecidos da Pixar ou Dreamworks.

E as diferenças são muitas! Os bonequinhos dos personagens não são fofinhos e engraçadinhos, pelo contrário, possuem defeitos e imperfeições físicas. A coloração do filme não é viva e brilhante: é sépia, terrosa, e também cinza, com músicas melancólicas. Acredito que a única semelhança entre ambos seja a importância da amizade, o fator-chave que permeia toda a trama. Em Mary e Max temos uma animação única. Adjetivos tais como simples, grotesco, belo e infeliz são extremamente representativos dentro deste universo.

O filme tem início ao ilustrar a simplicidade da vida de Mary, uma criança australiana de oito anos que passa o dia vendo televisão e brincando com bonequinhos feitos à mão por ela mesma. Começamos a simpatizar com uma menina solitária e inocente, que tem dúvidas em relação à origem dos bebês como toda criança. Mas a complexidade de sua vida nos atinge como um soco quando nos damos conta das suas aflições psicológicas, de sua baixa auto-estima, da rejeição dos pais, da sua constante solidão e carência afetiva. Um sofrimento que não esperamos que uma pessoa tão nova venha a passar. Ou ainda, que consiga compreender e seguir em frente. Aqueles bonequinhos feitos à mão não são apenas um passatempo de criança: eles são os amigos que ela não têm, e são feitos com restos de comida devido à falta de dinheiro para comprá-los.

O desenrolar da história se inicia quando Mary começa a se corresponder com Max, um nova-iorquino de quarenta e poucos anos. Assim como Mary, Max é sozinho e também sofre com problemas de auto-estima devido à obesidade. Eles não se conhecem, nunca se viram, mas ambos descobrem nas cartas o primeiro contato com a amizade, e a paixão de ambos por doces inicia o elo de vinte anos de cartas trocadas. O espectador então entra em contato com a sua síndrome, uma variedade do autismo, e é a partir daí que passamos a entender toda a frustração de sua vida.

A dedicação com a qual esse filme foi construído fica explícita em uma diversidade de segmentos. Além do belíssimo roteiro, detalhes como o quase monocromatismo encaixaram-se perfeitamente: a Austrália terrosa e Nova Iorque cinzenta, enquanto há o vermelho escarlate em ambos os cenários. Em algumas cenas há espaço para citar peculiaridades australianas como o típico bolo Lamington, a caixa de correios vermelha que é a mesma até hoje na Austrália, e até uma brincadeira com os neozelandeses. (o que seria equivalente ao Brasil vs. Argentina da Oceania).


Os detalhes são tantos, que até a máquina de escrever que Max usa em suas cartas funciona de verdade (foram necessários dois meses só para fazê-la funcionar). E, além de tudo isso, o filme foi construído em stop motion: empregou 212 bonecos, 147 roupinhas, e 400 acessórios. Cada semana de trabalho gerava 2 minutos e meio de animação. Após cerca de cinco anos para finalizar o filme, Mary e Max foi escolhido para ser apresentado na abertura do Sundance Film Festival, em 2009.

Mary e Max é uma exploração mental, e traz à tona conceitos como autismo, homossexualismo, obesidade, cleptomania, diferenças religiosas, alcoolismo e perdão, inseridos gota-a-gota dentro de diversas cartas entre dois grandes amigos. Fascinante.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

1991: a Revolução (II)

Marlon Villas


Grunge. Uma das principais palavras de ordem naquele tempo. Até hoje muita gente se confunde na definição do que seja grunge, muitos dizem que isso seria um subgênero de rock, outros afirmam que é um estilo de vida, portanto maior do que apenas ligado ao rock. A verdade é que esta palavrinha estranha e engraçada surgiu no estado de Washington, EUA, principalmente na cidade de Seattle, e teve a ver com rock, sim.

Pra ser totalmente honesto com você, esse papo de que o movimento grunge é “muito mais” do que somente uns caras que gostam de um som pesado e distorcido do heavy metal, vestem camisas e calças rasgadas, revivendo a atitude visual do punk, e gritam contra a sociedade, seus preconceitos e sua moral hipócrita, não passa da necessidade de um bando de sujeitos supervalorizarem algo que idolatram, nada mais. O grunge tem a ver com rock porque nasceu nas entranhas do rock, não há mais o que discutir a respeito deste ponto, e ponto final.

Vamos seguir em frente.

O movimento de Seattle já estava se consolidando como uma nova forma de se fazer um som com peso e de aparência mais suja, musicalmente falando, do que os roqueiros estavam acostumados até então. Os norte-americanos estavam com suas antenas voltadas para Los Angeles ou Nova York, e foi aí que surgiu algo fora dos padrões destas duas cidades: a cena punk de Seattle estava passando por alguma espécie de metamorfose efervescente. Daí, você já sabe: tudo o que é diferente e criativo acaba virando uma febre que se espalha rapidamente. Os empresários musicais da época foram forçados a rever seus conceitos na mesma velocidade, a fim de abocanhar aquele mercado que se mostrava bastante promissor.

Esta cena, provavelmente batizada de grunge pela banda Green River, segundo reza a lenda, já estava bem estabelecida nas ruas onde havia nascido alguns anos antes, no final da década de 1980, além de começar a ganhar um bom status fora de seus domínios, com trabalhos de bandas diversas, como Alice In Chains, The Melvins, Soundgarden, Stone Temple Pilots etc. Porém foi no ano de 1991 que, mais uma vez, como no thrash metal (ver este outro texto), que muitos criam estar à beira da morte, a revolução grunge tomou o lugar de uma certa pasmaceira musical na mídia especializada daqueles dias. Tudo por causa, basicamente, de dois discos lançados quase simultaneamente (um, no final de agosto, o outro, no final de setembro). Coincidência?

Capa emblemática pra cacete.
(Fonte: http://cs.leander.isd.tenet.edu)
Ten – Pearl Jam
A banda Pearl Jam começava sua carreira definitivamente pelas rádios de todos os EUA, e depois por todo o mundo, com seu primeiro álbum, Ten. Falando nisso, alguém pode me dizer o motivo deste título? Porque, se é para se referir às 11 faixas contidas no disco, então obviamente não faz sentido. Ou faz? Enfim, conheci o grupo através da MTV, quando a emissora ainda era uma ótima opção para se conhecer bandas e artistas da música nacional e internacional, com seus videoclipes sendo transmitidos todos os dias, às vezes em diversos horários num mesmo dia, caso sua popularidade fosse alta.

Ao contrário das outras bandas grunges aqui citadas e outras do mesmo movimento, com uma sonoridade mais carregada e cheia de distorções e diferentes efeitos, o Pearl Jam se destacava, já neste trabalho, por uma maior limpeza na equalização das músicas, além destas serem trabalhadas com mais solos de guitarras e uma clareza na voz do vocalista Eddie Vedder. Tudo isso sem perder, no entanto, a contestação e os assuntos de forte conteúdo emocional tratados por todos os grunges, como suicídio, depressão, dúvidas existenciais, morte, drogas, preconceitos sociais, falta de sentido/necessidade de liberdade, e por aí vai.

Logo após o lançamento do álbum, ele não teve tantas vendas, mas alguns meses depois, principalmente no ano seguinte, os fãs de rock perceberam que estavam diante de algo feito de forma única, em contraste com tudo o que andavam escutando. Não deu outra: Ten é considerado um dos discos mais bem sucedidos de toda a década de 1990, na verdade dos últimos 20 anos. Não são muitas bandas que alcançam reconhecimento desse nível logo no primeiro trabalho. Na minha opinião, todas as faixas possuem aquela coisa que você pode não definir bem o que seja, mas com certeza reconhece que é especial. Even Flow, Alive, Black, Jeremy, Porch, Garden, todas são músicas que brincam com as sensações de quem as ouve, emocionando de uma maneira ou de outra, com solos simples e bem executados, com pratos e caixas da bateria soando agressivos sem partir para o ataque propriamente dito, linhas melódicas de voz e baixo muito bem casadas. Enfim, uma bela obra de arte em 53 minutos totais.

A lendária caça ao dólar.
(Fonte: http://hqrock.files.wordpress.com)
Nevermind – Nirvana
Diferentemente do Pearl Jam, o Nirvana já tinha um disco na bagagem em 1991. Dois anos antes havia lançado Bleach, embora tal trabalho não tenha alcançado na época toda a imensa fama que Nevermind ofereceria ao trio de punk grunge.

Diferentemente do Pearl Jam, o Nirvana sempre prezou por algo mais barulhento, com certa violência em suas músicas, de uma crueza magnífica, mesmo que houvesse apenas uma guitarra, um baixo e uma bateria para fazer todo o estardalhaço em seus trabalhos. Confesso aqui que, no início, não me agradou muito o som da banda, não sei exatamente o porquê. Foi só bem depois, provavelmente entre meus 17 e 18 anos, quando decidi gastar meu dinheiro e comprar este CD, que compreendi toda a importância do álbum que andava evitando. Não me arrependi.

Do mesmo modo que o Pearl Jam, conheci o Nirvana pela MTV, assistindo ao videoclipe de Smells Like Teen Spirit, um single que ficou para a história do rock. Aliás, em algum ano da década de 2000, quando eu ainda morava em Campinas/SP, a extinta Rádio Rock da cidade fez um tributo a todas as grandes músicas da história, começando às 08 horas e terminando às 18 horas do dia 13 de julho, Dia Mundial do Rock, as 100 mais tocadas de todos os tempos, e adivinha qual foi a número 1? Bingo. Não sei se concordo que Smells... tenha sido a mais tocada em todas as rádios do mundo, também nem sei se concordo com aquela lista, mas certamente ela merece estar numa homenagem como aquela.

Todos sabem (deixando de fora os alienados) que Nevermind chegou a tamanho sucesso que a própria banda, principalmente o vocalista Kurt Cobain, que já era uma lenda viva, não conseguia administrar emocionalmente a fama e, entre outros motivos, acabou por se matar na sala de sua casa alguns anos depois. O que vale dizer sobre o álbum é que Smells..., bem como Come As You Are, Lithium, Polly, Territorial Pissings, Stay Away e Something On The Way, além de todo o resto das 12 faixas, foi um tipo de catarse para toda uma geração de jovens incomodados com suas próprias vidas e com o rumo que tomavam todos os acontecimentos em vários cantos e em vários países, principalmente no aspecto social, se tornando o exemplo perfeito de tudo aquilo que o movimento grunge reclamava e criticava em altos e potentes decibéis.

* * * * *

O que era grunge já passou. Mesmo as bandas que nasceram naquele meio e ainda estão em atividade já não carregam (tanto) aquele estigma da época. Mas até hoje o movimento influencia novas bandas de diferentes gêneros do rock, talvez mesmo de gêneros não-rock. Uma revolução musical que, sem sombra de dúvidas, quem viveu não vai esquecer tão cedo, pois sempre mostra suas garras aqui e ali, para mostrar que, no fundo, bem lá no fundo, grunges somos todos nós.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Incal, o ciberpunk psicodélico



Tudo o que eu sabia sobre Incal (Devir Editora, 2012) antes de lê-lo é que era um dos grandes clássicos da nona arte. Mal tinha ideia de que durante a leitura eu seria jogado em um mundo ciberpunk e psicodélico enquanto acompanhava as rocambolescas e oníricas desventuras do detetive John Difool depois que este recebe o misterioso (e poderoso) artefato Incal das mãos de um alienígena moribundo e se vê em meio à revoluções e conspirações pelo controle da galáxia do império humano. Meu interesse pela obra veio, à princípio,  unicamente por conta de seu desenhista, Moebius, pseudônimo do francês Jean Giraud, falecido ano passado. 
Jean começou sua carreira em HQs de faroeste, mas ficou mais conhecido pela criação da revista Metal Hurland (ou Heavy Metal, em sua versão norte-americana) e por seus trabalhos em quadrinhos de sci-fi e fantasia. Moebius também é largamente conhecido por ter trabalhado como designer de produção em filmes como Alien: O Oitavo Passageiro, Tron, Mestres do Universo,Willow, O Segredo do Abismo e O Quinto Elemento, entre outros.
O roteiro da HQ é de Alejandro Jodorowsky, chileno nascido na cidade de Iquique, dono de inúmeros talentos. Renomado escritor, poeta, psicólogo e cineasta, foi justamente em uma produção de cinema que Alejandro começou a trabalhar com Jean Giraud. Ambos deram início a produção de uma adaptação do livro Duna, de Frank Herbert, uma década antes daquela realizada por David Lynch. Dois anos de trabalho depois e o projeto colapsou. Entretanto, foi o contato de ambos artistas em meio à ficção científica que deu o ponta pé inicial em Incal, que acabou sendo escrito durante toda a década de 1980.
Longe do estilo poético de Neil Gaiman ou de Alan Moore ou mesmo das aventuras noir engendradas por Mike Mignola, o Incal parece uma imersão completa dentro de um brainstorm regado a LSD feito por Jodorowsky e Moebius. Cada página trás, sem nenhum pudor, novas situações, personagens, criaturas, mundos e desafios. Desafios estes que são superados rapidamente, como se os autores pensassem "Porquê perder tempo com isso? Ainda temos tanto a mostrar!". Em Incal o importante é a viagem, não o destino.
Moebius e Jodorowsky: Produtores de LSD em forma de quadrinhos
E assim se descortinam inúmeros personagens em que, mais do que suas personalidades, são seus interessantes nomes (Imperadortriz, Necrodroid, Meta-barão, Tecnopapa...) e suas criativas figuras que chamam a atenção e se tornam marcantes. Não só personagens humanóides, mas planetas, naves, cidades, animais e tudo que saiu do maravilhoso e detalhista traço de Moebius e da mente influenciada por Tarô de Jodorowsky (o personagem principal, por exemplo, é baseado na carta do Louco) é fascinante. É impossível virar a página antes de se admirar por uns bons minutos cada pequeno detalhe que ali se encontra. 
Assim, Jodorowsky e Moebius levam seus leitores por mais de 300 páginas que exploram de uma decadente capital à outra galáxia, passando por um planeta aquoso, pelo interior de um mundo e por bizarras viagens metafísicas.
Não é dificil se perder na trama. Conspirações, revoluções, guerras entre galáxias... parece acontecer de tudo durante a história. Em certo momento eu já começava a temer por uma "sindrome de Lost" na HQ. Ou seja, pensei que os criadores do quadrinho, assim como aqueles do famoso seriado de TV, de tantos mistérios e reviravoltas iam acabar se perdendo e trazendo um final qualquer para sua história. Ledo (e feliz) engano. Em Incal acontece justamente o contrário, conforme avançamos no encadernado as pontas que pareciam soltas e sem propósito começam a se juntar, até que chegamos à um final excepcional.
Mais do que uma história em quadrinhos, Incal é um grande exercício de imaginação e criatividade de duas grandes mentes. Imperdível.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Cine 2012


Em 2012 adquiri um novo hábito, assistir filmes antigos clássicos. Não que eu não curtisse esse tipo de filme antes, mas minha curiosidade por eles se tornou mais aguçada neste ano. Assim conferi um monte de velharia, principalmente produções dos anos 50, 60 e 70. Também procurei terminar de conhecer filmografias de grandes diretores, como David Cronenberg e Stanley Kubrick. Tirei o atraso de muita coisa. Tanto que nem sei dizer muito sobre produções lançadas (no Brasil) neste ano. Mas destaco aqui três filmes que vi no cinema e curti muito neste ano que recém terminou.

Looper - Taí a grande surpresa do ano. Até o filme entrar em cartaz eu não tinha ouvido falar nada sobre ele. E nem ia assisti-lo, mas as excelentes críticas acabaram me levando para o cinema. E que ótimo filme! Ficção científica, ação e aventura de primeira. Acho que é o melhor filme neste gênero desde o primeiro Matrix. A história é uma mistura de Exterminador do Futuro com De Volta para o Futuro, com alguma pitada de X-Men ou Scanners, se preferir.
Claro, como toda a história envolvendo viagens no tempo o roteiro mostra algumas incongruências lógicas. Na verdade este filme tem uma das cronologias mais bagunçadas em filmes do gênero. Entretanto, descontando-se a "ciência" da coisa, o roteiro é ótimo. O anti-herói Joe, vivido por Joseph Gordon-Levitt e por Bruce Willis é pouco comum nos filmes atuais. Drogado, egoísta e sem nenhuma moral, Joe é um assassino por natureza e tem atitudes totalmente reprováveis durante a história. Ainda assim o filme é tão intrigante que é impossível não torcer por ele. 
Ainda falando do personagem, a maquiagem que tenta transformar Joseph Gordon-Levitt em uma versão jovem de Bruce Willis é ótima, mas é a interpretação do ator que faz com que você acredite nisso. Joseph trás para o personagem olhares e trejeitos típicos do ator veterano e mesmo sabendo como era o astro de Duro de Matar a 30 anos atrás não fica tão difícil relacionar os dois atores ao mesmo personagem.
O terceiro ato do filme trás uma adição inesperada e muito eficiente à trama, fazendo com que o enredo ganhe um colorido a mais, sem ser apenas uma história de caçada.
Um filme que não é adaptação de nada, continuação e nem remake, com um personagem principal mau caráter e uma história original e corajosa. Espero que seja um caminho que Hollywood volte a trilhar em 2013.

Os Homens que não amavam as mulheres - sobre esse eu já havia falado AQUI. Adorei esse filme! Re-assisti no Cine Torrent esses dias e continuo mantendo minhas impressões sobre ele. Filmaço!

Ted - Quando ouvi as primeiras notícias sobre esse filme já me interessei. Tudo por causa de um nome, Seth MacFarlane, o criador dos desenhos Family Guy, The Cleveland Show e American Dad. Considero esse cara um gênio da comédia. Enquanto no Brasil temos imbecis como Rafinha Bastos e Danilo Gentilli que acham que humor politicamente incorreto é simplesmente agredir alguém, MacFarlane constrói piadas e situações incorretas de forma genial, mostrando através do absurdo que os zoados são as próprias maiorias que estão fazendo a piada. 
O filme é uma coleção de situações incrivelmente hilárias, misturando vários tipos de humor, do físico ao non-sense, costurados por uma boa história. Fazia uns bons anos que eu não gostava tanto de uma comédia como esta. 


Sim, também assisti e curti O Cavaleiro das Trevas Ressurge, O Hobbit e Os Vingadores. Bons filmes, mas em todos achei algumas ressalvas, defeitinhos, que me fizeram não coloca-los no Hall dos grandes filmes da minha vida. Foram ótimos passatempos, gostei muito de te-los visto, mas em todos houveram detalhes que me incomodaram bastante. O plano sem sentido do Bane no filme do Batman, a direção confusa e os exageros de Peter Jackson no Hobbit e o roteiro mal amarrado (e até meio bobo) d'Os Vingadores, são exemplos dos problemas destes filmes.

Pra fechar, não posso deixar de falar da maior decepção de todas, Prometheus. Era o filme mais aguardado do ano para mim. Ridley Scott fazendo ficção científica já tinha gerado dois dos maiores clássicos da história do gênero, Blade Runner e Alien. E era justamente ao universo do Alien para onde o diretor estava voltando. Teoricamente ele ia contar a história do Space Jocker que a tripulação da Nostromo havia encontrado no filme de 1979. Ansiei pelo filme desde que foi dada a primeira notícia sobre ele. Quando soltaram o primeiro TEASER minha mente praticamente explodiu! Devo ter assistido a ele pelo menos umas 20 vezes. E pra quê? Filme sem pé nem cabeça, com os personagens mais rasos possíveis, situações absurdas e roteiro furreca e confuso. Acho que até as porcarias dos Alien Vs Predador são melhores do que esse troço. Triste demais.



segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Duas vezes Asimov


Isaac Asimov é muito provavelmente o nome mais famoso da literatura de Ficção Científica. Não é a toa. Este russo naturalizado estadunidense escreveu e editou mais de 500 livros dentre ficção e não ficção, tendo obras lançadas em praticamente todos os campos do conhecimento humano. Entretanto, o "bom doutor" é mais conhecido mesmo por suas histórias sobre robôs (especialmente o clássico Eu, Robô) e a premiada trilogia Fundação. Gosto muito destes livros, mas meus preferidos até agora, dentre tudo que li dele, são Os Próprios Deuses e O Fim da Eternidade.
Isaac Asimov: ótimas ideias e costeletas
Ficção científica é um termo para descrever qualquer livro ou filme que inclua em seu enredo o fator ciência como componente essencial. Há assim certa discussão sobre determinadas obras. Por exemplo, toda a saga Star Wars se passa em mundos estranhos, há a presença de elementos futuristas como naves e robôs (ou melhor, Droids), mas a história está mais para uma aventura ou fantasia do que para a ficção científica em si. Pode-se discutir sobre a essência de muitas obras, mas se há um livro que é ficção científica pura, este é Os Próprios Deuses, de Isaac Asimov.
Os Próprios Deuses é uma história dividida em três grandes atos. No primeiro acompanhamos a descoberta do elemento Plutônio 186, um elemento impossível de existir em nosso universo, e suas aplicações e implicações na sociedade. Ok, você já viu inúmeros personagens de sci-fi pegando espantados algum objeto e dizendo  "este material não existe na Terra!". Asimov levou este conceito anos-luz a frente de seus colegas. É detalhada toda a descoberta do elemento. Se você tiver algum conhecimento de química e física, em especial sobre química analítica, leis da termodinâmica e interações nucleares, vai se extasiar com as longas explicações científicas e debates entre os personagens do livro.
Através do estranho isótopo é descoberta a existência de um universo paralelo ao nosso, onde as leis da física são ligeiramente diferentes. Lá vive outra civilização que tem muito interesse na troca de metais entre os universos como forma de obter energia. O cientista Dr. Frederick Hallam é aclamado como o descobridor do Plutônio 186 e vira uma grande celebridade mundial devido a construção da "bomba de eletróns", responsável pela transmissão de energia entre os mundos paralelos. Entretanto há quem desconfie que ele não seja este grande gênio e que a energia não é tão segura quanto se pensa.
O segundo ato traz a mais genial descrição de alienígenas que já li ou vi. Passado inteiramente no Para-Universo, esta parte da história descreve a vida de seres completamente diferentes de tudo que você conhece. Nada de humanóides ou seres baseados em insetos ou répteis. Os para-homens são seres de uma dimensão onde as leis da física são ligeiramente distintas das nossas, assim seus corpos e sua organização social são também distintas. 
Os para-homens são divididos em dois grupos, os Suaves, com suas tríades formadas por três "sexos", e os misteriosos e mais avançados Durões. No livro acompanhamos a tríade formada pelo Paternal Tritt, pelo Racional Odeen e pela Emocional Dua. Em cada tríade cada um tem suas características bem definidas, entretanto nesta, Dua é considerada uma aberração, uma "emo-esquerdista", ou seja, um ser do grupo Emocional, porém com características de Racional. É Dua quem acaba descobrindo os perigos da "bomba de posítrons" deste universo e tenta acabar com a mesma.
O terceiro ato volta pra o nosso Universo, mais especificamente para a Lua, onde um antigo rival de Hallam, o também cientista Dr. Benjamin Allan Denison tenta restabelecer sua carreira arruinada pelo famoso "pai da bomba de elétrons" enquanto tenta achar uma solução para os perigos da mesma.
O livro, tido pelo próprio autor como seu preferido, é uma das obras de ficção científica mais criativas e bem escritas que já tive em mãos. Indicado para quem se interessa por ciência real.
O Fim da Eternidade é uma história sobre viagens no tempo. O personagem principal, Andrew Harlan, é um Técnico da Eternidade, uma organização que existe "fora do tempo", empenhada em fazer ajustes de realidade em determinados momentos para que a humanidade evolua sem maiores conflitos e sofrimentos. Porém os Técnicos não andam livremente pelos séculos. Idas ao Primitivo, como são chamadas as Eras antes da criação da viagem do tempo, são proibidas. E de alguma forma inexplicável eles não conseguem adentrar entre os séculos LXX e CL. Viagens após o século CL encontram um mundo sem nenhuma civilização.
A vida de Harlan se complica quando se apaixona por Noÿs Lambent, uma mulher que será apagada da existência por uma intervenção em seu século natal. Ao mesmo tempo o Técnico se descobre responsável por um paradoxo temporal que dará a origem à própria Eternidade. 
O livro traz uma das melhores e mais originais histórias sobre viagem que já li, levando mais em conta a viagem em si do que os próprios tempos para quais os viajantes vão. Ao contrário d'Os Próprios Deuses, O Fim da Eternidade é uma obra que acredito que poderia funcionar de forma excepcional nas telas, se conduzida por um bom diretor. Aventura, romance e conspirações numa sólida história de sci-fi com um final surpreendente. Recomendo fortemente não só para amantes do estilo, mas para todos os leitores em busca de uma grande história.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os caminhos para o fim do mundo

Marlon Villas

Sempre gostei muito de histórias pós-apocalípticas (o termo não é o mais correto, mas é o que vou usar aqui), aquela coisa de que tudo o que conhecemos como civilização foi destruído, um clima de fim dos tempos. Desde pequeno achei curiosa a ideia de me imaginar sozinho no mundo, percorrendo estradas e cidades e não encontrando pessoa alguma para conversar, saber as novidades, jogar um dominó (a gente se presta a qualquer coisa em meio ao desespero), dividir uma pizza, sei lá. Existe um caráter até filosófico nesse assunto, como em toda boa estória futurista e possível de acontecer, que deixa meu cérebro intrigado.


Aqui vão algumas considerações sobre alguns filmes e livros que li sobre o tema:

BLECAUTE - provavelmente este tenha sido o primeiro livro que me levou a indagar sobre o fim do mundo e o da raça humana. E foi escrito por um brasileiro, o Marcelo Rubens Paiva, mesmo autor de Feliz Ano Velho, uma autobiografia sobre o acidente que o deixou numa cadeira de rodas, até hoje, quando ainda um jovem estudante da Unicamp, misturando memórias e indagações sobre seu pai, que sumiu durante a ditadura militar (aliás, não sei por que isso virou um livro tão famoso - eu li e achei uma grande bobagem literária, coisa de moleque que só queria desabafar suas angústias, mesmo). Marcelo disse que escreveu Blecaute ouvindo muita coisa das antigas (Tom Waits, King Crimson e Duke Ellington), além de ter sido influenciado pela antiga série Twilight Zone (Além da Imaginação, no Brasil). Três amigos, dois rapazes e uma garota, depois de ficarem presos por dias dentro de uma caverna devido a um desabamento de pedras durante uma expedição de espeleologia, percebem que são as únicas pessoas vivas na cidade de São Paulo. Todas as outras viraram algum tipo de estátuas, e eles não sabem o motivo disso ter ocorrido. Entre a solidão numa metrópole e a possibilidade de usufruir de absolutamente tudo a seu bel-prazer, o trio vai tentando levar uma vida normal. Existem cenas fantásticas no livro, como o momento em que explodem a torre de transmissão da Rede Globo na Avenida Paulista, e como pintam a mesma avenida de vermelho, de uma ponta a outra, simplesmente porque o tédio tomava conta deles. Não à toa, já li este romance duas vezes, de tão interessante que achei. E fica aqui meu apelo: quando algum cineasta vai ter a coragem de transformar Blecaute em filme, hein? Hein?

A ESTRADA - Cormac McCarthy é um nome que eu não conhecia até então. Mesmo tendo assistido ao filme Onde Os Fracos Não Têm Vez, baseado em um de seus romances, eu não tinha a menor ideia de quem era o sujeito. Até que ouvi falar de um filme chamado A Estrada. Como era com o Viggo Mortensen no papel principal, não fiquei muito entusiasmado para conferir o trabalho, mas por algum motivo totalmente estranho (sério, não sei bem a razão disso ter acontecido), acabei por comprar o livro homônimo. Mesmo com o Mortensen na capa, uma foto tirada de um pôster de divulgação da película. O enredo do romance é basicamente o seguinte: um pai segue com seu filho pequeno em direção à costa oeste dos Estados Unidos, em meio a um mundo destruído por algum tipo de guerra mundial, pois acredita que lá terão mais chances de sobreviver ao inverno que se aproxima. Ambos estão desnutridos, vestem farrapos que encontram pelo caminho e possuem uma arma com algumas poucas balas para se protegerem de outros humanos que se tornaram canibais pela escassez de alimentos. Existem algumas cenas fortes e emocionantes, mas não consegui gostar do livro como um todo. Principalmente pelo estilo de escrita de McCarthy, que acredito não ter combinado tão bem com a própria estória. Alguns meses depois resolvi assistir ao filme, e pensei que foi uma das raríssimas vezes em que uma adaptação cinematográfica ficou melhor que o original em texto. Mesmo assim, não é um grande trabalho, na minha opinião. Ou talvez seja apenas a minha mente que já tenha ficado desconfiada com o romance desde o início, só isso.

EU SOU A LENDA - taí um filme que gostei desde as primeiras cenas. Will Smith é um ator que admiro por ter feito vários trabalhos dignos de nota, embora já tenha escorregado um pouco em sua carreira com atuações e projetos mequetrefes. Entretanto, em Eu Sou A Lenda ele está muito bem na pele do virologista militar Robert Neville, que procura uma cura para um vírus que sofreu mutação genética, e que havia sido utilizado alguns anos antes como veículo para a cura do câncer. A mutação do vírus causou uma epidemia na cidade de Nova York, e que depois se espalhou mundo afora, transformando as pessoas infectadas em criaturas violentas, sem resquícios visíveis de inteligência, com o metabolismo muito acelerado, e que só saem às ruas à noite, pois são extremamente sensíveis à luz do dia (nisso eles se parecem com vampiros, mas a comparação começa e termina por aí). Neville descobriu ser imune ao vírus em qualquer forma de transmissão, ao contrário de sua cadela Sam, sua única companhia, que só é imune pela infecção por ar. A sequência de cenas em que a cadela é infectada e Neville precisa matá-la, e depois ele aparece em uma locadora de vídeos e procura conversar com um manequim são as partes mais tristes de todo o filme. Assim como a cena em que, depois de ser salvo por Anna, personagem da brasileira Alice Braga, Neville conta uma história vivida por Bob Marley, seu cantor preferido, também é tocante. O roteiro é baseado no livro I Am Legend, de Richard Matheson, da década de 1950 (que ainda não li), e há outras adaptações anteriores para o cinema, uma dos meados dos anos 60, outra do início dos 70 (e que ainda não assisti a nenhuma delas). Só sei que esta versão com Will Smith é uma das melhores do gênero.

O LIVRO DE ELI - típico filme em que você pode pensar: "É bom, mas podia ter sido bem melhor". Denzel Washington está excelente como Eli, o andarilho de um planeta destroçado por uma guerra nuclear que tenta, há cerca de 30 anos, chegar à costa oeste norte-americana. Ele acaba se metendo em confusão com arruaceiros de uma pequena cidade comandada por Carnegie, interpretado pelo grande Gary Oldman, que deseja encontrar um certo livro que lhe daria poder para comandar todas as pessoas. Eli carrega esse livro, que é a Bíblia Sagrada, mas não quer se desfazer do mesmo, pois acredita que precisa levá-lo ao oeste em segurança. Dá-se início a uma caçada desesperada por Eli e pelo livro por terras que viraram verdadeiros desertos, e uma moça (a belíssima atriz Mila Kunis) acaba se envolvendo com o andarilho em sua fuga dos capangas de Carnegie. As cenas de luta são incríveis, os efeitos visuais são ótimos. Mas você percebeu alguma semelhança deste enredo com o do livro A Estrada? O fato de o protagonista querer alcançar o oeste dos EUA? Pois vou dar outra dica: em uma rápida sequência de cenas, em que Eli e a moça encontram um casal de velhos morando sozinhos numa casa no meio do nada, há uma insinuação de que o casal seja canibal, como no livro de McCarthy. Ou seja, na minha opinião, houve alguma espécie de cópia de ideias, e acredito que isso tenha sido feito pelo roteirista Gary Whitta, já que o romance de McCarthy havia sido lançado cerca de um ano antes dele assinar contrato com os estúdios que produziram O Livro De Eli. Basicamente por essas "coincidências" tão coincidentes é que digo que o filme podia ter sido melhor, se houvesse um pouco mais de criatividade no enredo.

E então? Você aí, tem outras dicas pós-apocalípticas pra discutirmos/compararmos aqui? Puxe um banco e sinta-se à vontade.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Trilogia da Escuridão

Marlon Villas


Olha, vou dizer uma coisa que já deve ser batida: essa onda de vampiros já surgiu detonando com a paciência de muita gente.

Não me entenda mal. Quero dizer que os vampiros podem ser criaturas do imaginário humano bastante interessantes, mas tem escritores por aí (né, dona Stephenie?) que avacalham com os sugadores de sangue de tal maneira, e tem tanta moçada que ainda diz que vampiros purpurinados e outros afins são legais, que fico me perguntando se o fim dos tempos não teria sido uma boa ideia, afinal, neste ano que acabou de findar.

Aliás, desejo um feliz ano novo pra todos. Menos pra Stephenie.

Só que tem escritores que ainda procuram salvar a boa reputação dos vampiros, como monstros sem alma e  cheios de crueldade e insensibilidade. Foi por isso que resolvi ler até o fim a Trilogia da Escuridão. Confesso que, no início, fiquei com o pé atrás, mas depois relaxei, vendo que a dupla de autores da Trilogia levou seu trabalho bem mais a sério do que vejo em todo canto ultimamente.

Estes livros - Noturno, A Queda e Noite Eterna - foram criados a quatro mãos por Guillermo Del Toro e Chuck Hogan. Del Toro é bem conhecido por ser diretor de alguns bons filmes de ação, sendo talvez mais famosos os dois que contam aventuras loucas do filho do demônio, Hell Boy, além de entrar como participante no roteiro de O Hobbit, recentemente estreado nas grandes telas e dirigido por Peter Jackson, o mesmo que dirigiu a saga de O Senhor Dos Aneis. Hogan é um escritor premiado, com alguns de seus romances também adaptados para o cinema, mas ainda sem a mesma fama que a de Del Toro.
(Fonte: diversas.)

Noturno inicia a saga vampiresca com a cena de um avião vindo da Europa e que pousa em Nova York, mas não há uma única comunicação via rádio, assim como também ninguém desce da aeronave. Logo percebe-se que algo de muito estranho aconteceu com todos os tripulantes, e pensando se tratar de um possível ataque terrorista ou de algum tipo de infecção por um vírus poderoso, polícia, forças armadas e um grupo do Controle de Doenças da cidade é chamado para acompanhar a situação. Os corpos encontrados são enviados para autópsia, mas nem todos estão mortos. Logo uma epidemia começa a se espalhar rapidamente, pois aqueles considerados defuntos são vistos caminhando, com algum tipo de mutação física e com uma vontade assassina e sem limites, o que dá mais vazão à suspeita de infecção por algum vírus desconhecido. Basicamente todo o enredo do primeiro volume é sobre os especialistas procurando descobrir a causa da epidemia que vai tomando conta de toda Nova York.

Em A Queda, algumas pessoas já estão totalmente cientes de que uma invasão de vampiros tomou conta da cidade e começou a contaminar todo o resto do planeta a uma grande velocidade. Um velho estudioso e matador de vampiros ajuda um grupo de resistência formado por uma epdiemiologista e sua colega e namorada, um exterminador de ratos de origem russa e um ex-líder de gangue mexicano. Vem a necessidade deles se apoderarem de um livro perdido que conta a história do surgimento da praga vampiresca, onde esperam buscar respostas para eliminar o Mestre, como é chamado o senhor dos sugadores de sangue, e com ele, toda a raça de monstros que são controlados por ele por alguma forma de poder psíquico.

No último volume, Noite Eterna, a humanidade já virou escrava para trabalhar a serviço dos vampiros, além de servir de alimento e de produzir novos seres humanos para manutenção do gado humano, como são chamados todos os que se curvaram ao Mestre. O livro perdido, Occido Lumen, é achado e o esforço do grupo de resistência para decifrá-lo e descobrir o ponto fraco do senhor dos vampiros, além de se manterem vivos toma conta das páginas. E acho que já falei demais sobre toda a história.

Agora o interessante sobre a construção dos vampiros pelos autores: eles usam de argumentos científicos para explicar a praga vampiresca, mostrando que o vampirismo é literalmente uma doença transmitida por vermes que contaminam o corpo do hospedeiro. A transmissão é feita por um ferrão desenvolvido na garganta, e não por dentes pontiagudos. Devido ao ferrão, um vampiro não possui o dom da fala, mas se comunica por telepatia. Entretanto, Del Toro e Hogan mantiveram algumas características clássicas, desde a primeira descrição de uma criatura sugadora de sangue no livro Drácula, de Bram Stoker, como o fato de que tal criatura só pode atravessar uma massa de água com a ajuda de um humano, ou que não suporta o contato com a luz do sol. Além disso tudo, misturaram aspectos bíblicos e históricos aos científicos já citados. Acredito que a trilogia se torna interessante por tratar os vampiros como verdadeiros predadores brutais, porém com certa verossimilhança ao conhecimento humano, e não apenas como uma criatura mágica, sem origem definida e fruto de superstições.

Antes de surgir o primeiro filme, caso você tenha ficado curioso, é bom conferir os livros. Porque, com toda a certeza, já está havendo algum movimento em Hollywood para transpor a trilogia para o cinema. Aliás, você já pode ter um gostinho do que fizeram como book-trailer por aqui.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

1991: a Revolução (I)

Marlon Villas

Sabe quando você de repente lembra de algo que há muito tempo não apreciava? Foi assim comigo. Passando um dia tomando uma cerveja de leve na casa de uma de minhas irmãs, conversando sobre a vida, recordei de coisas de mais de quinze anos atrás, e eis que bateu a vontade de ouvir mais uma vez um disco que marcou muito meu início no mundo do rock pesado.

Recordo também que, aos 14 anos, comprei o tal CD, um dos primeiros da minha lista do gênero, e que várias primaveras mais tarde, acabei o emprestando a um sujeito na faculdade que nunca teve a decência de me devolver de volta. Um amiguinho do Danilo Altman, que por sinal aqui também escreve. Cadê o Sérgio, Danilão?

E a capa, como o álbum, é magnífica.
(Fonte: http://sequelacoletiva.wordpress.com)
Tive de baixar Arise, do Sepultura, lançado em 1991, na internet para voltar às minhas sensações de estupefação e assombro com o recém-conhecido thrash metal brasileiro naquela minha época. E me peguei sozinho no quarto dos meus sobrinhos, enquanto eles jogavam video game na sala, ouvindo no fone de ouvido do celular, deitado na cama, toda aquela porradaria muito bem concertada, gritando em silêncio (?) junto com Max Cavalera as letras do álbum.

Você, que é nostálgico, sabe bem do que estou falando.

Foi com esse trabalho que a banda de Belo Horizonte conseguiu finalmente reconhecimento dos headbangers do próprio país, pois até então os quatro músicos eram mais bem sucedidos em terras estrangeiras, principalmente nos Estados Unidos. Com a participação do Sepultura no Hollywood Rock, de 1992, no Rio de Janeiro, a consagração foi total.

A faixa-título abre com tal peso, cadência e clareza de sonoridade, que são poucas as músicas do estilo thrash que me fazem sentir tão bem com o fato de curtir o gênero quanto essa. A voz gultural do vocalista ajuda a arrepiar os pelos no refrão: "Under a pale gray sky we shall arise!". Em seguida, entra Dead Embrionic Cells, com uma guitarra um pouco mais ritmada, mas a construção bem feita da melodia e dos solos, além da bateria profunda dando o ar sinistro do som, principalmente na parte em que há uma espécie de parada sintomática prenunciando outro corpo musical, é fantástica (é a famosa parada em que hoje, nos shows, com o atual vocalista Derrick Green, e antes, com Max, há o inevitável "Um, dois, três, quatro!" berrado no microfone). Logo vem Desperate Cry, que para mim, é uma pequena obra-prima de mais de 6 minutos do metal brasileiro, com um riff inicialmente simples, e que depois descamba para uma espécie de sinfonia apocalíptica. Não vou me estender detalhando todas as faixas de Arise, porque, acredito, seria muito maçante para você, mas quero que também preste atenção à décima e última música, um cover da mítica banda Motörhead, Orgasmatron; esta versão ficou conhecida em todos os meios de metal, sem exceção (isso, é claro, caso você não saiba do que estou falando).

Dito isso, logo resolvi voltar mais uma vez (de dezenas e dezenas de vezes) a outro álbum lançado em 1991, Metallica, ou o grande Álbum Preto, do Metallica. Foi então que resolvi escrever esta homenagem às duas bandas, estas que, cada uma a seu modo, marcaram história no thrash metal mundial.

Para bom entendedor, Metallica foi o grupo que oficialmente inaugurou este gênero mais pesado (violento, destilando fúria?) do metal, no início dos anos 80. Hoje os fãs sabem que a banda investiu em outros estilos de som misturados ao original, ou mesmo fugindo do que os mais conservadores chamam de "tradição". Porém ninguém nega que este quarteto da Bay Area da Califórnia (EUA) contribuiu demais para o rock como um todo.

A capa simples e sem muitas firulas.
(Fonte: http://redutodorock.com.br)
Metallica é o álbum mais popular (entenda-se por popular aquilo de que quase todo mundo, mesmo não sendo roqueiro, já ouviu algo a respeito, pelo menos uma ou duas músicas) de toda a carreira destes músicos. Enter Sandman abre o trabalho de estúdio, com uma levada bem cadenciada, guitarras mais limpas do que os discos anteriores e melodia idem. Aliás, todas as doze faixas do trabalho soam desta forma, com uma equalização de todos os instrumentos tocados que soa agradável aos ouvidos, sem perder o peso que marcou a fama de Hetfiled, Ulrich & Cia. Sad But True é uma espécia de balada às avessas, pois é carregada de um clima estranho para um otimista (aliás, penso que a letra é sobre os abusos de álcool de Hetfield - se você prestar atenção, percebe que o alcoolismo se encaixa muito bem nas metáforas utilizadas). Nothing Else Matters é a única música romântica feita pelo grupo, e que virou o hit em toda e qualquer rádio no mundo, mesmo aquelas que não costumam tocar nada de rock. Of Wolf And Man remete a algo visceral de toda pessoa, dos seus instintos básicos. My Friend of Misery é uma pérola, entre tantas outras contidas no álbum.

Duas bandas de origens distintas, mas com algo em comum: o amor pelo som pesado e consagrado por dois discos lançados no mesmo ano, um ano em que muitos consideravam o início do fim do metal, já que muitas bandas começavam a surgir copiando umas às outras indiscriminadamente. Essa afirmação, que depois se mostrou totalmente errada e feita às pressas por pessoas que estavam desgostosas com os rumos da música na época, teve como motivo uma outra coisa que surgiu em outro canto dos EUA: o movimento grunge, com algumas bandas que, duas décadas depois, já ganharam seus devidos espaços no Olimpo do rock. Depois farei uma comparação entre outros discos destas "novas" bandas, que também tiveram destaque neste mesmo ano de 1991.

Parece que 1991 foi algo abençoado para os roqueiros de todos os gêneros. De lá para cá, ainda não percebi nada tão devastador - no bom sentido - quanto o que aconteceu naquele ano tão longínquo. Eu e muitos outros ainda aguardamos por outra revolução como aquela.