quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Repouso do Guerreiro

Marlon Villas
 
Esta é a estória de amor mais intensa que já li, depois de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. E olha que Heathcliff e Catherine me fizeram pensar que eu tinha entrado em algum cenário de horror gótico, ou coisa parecida.
 
Capa da edição.
(Fonte: 3bp.blogspot.com/)
O Repouso do Guerreiro é o segundo romance da francesa Christiane Rochefort, e foi publicado originalmente em 1958. Marcos Salvatore, quando de uma visita minha a sua residência com direito a Brahmas, Almsteds e um Quinta do Morgado, me emprestou o livro dizendo que o sujeito era muito a minha cara. Conferi.
 
Não, Marcos, ainda bem que não sou, nem de longe, o sujeito do romance. Mas se você queria me assustar de certa maneira, acho que conseguiu. Vamos ao enredo.
 
Geneviève de Theil é uma jovem estudante que recebe a herança de uma tia, e vai averiguar toda a situação dos bens recém-adquiridos numa cidadezinha no interior da França. No hotel em que se hospeda, acaba salvando, por uma confusão de chaves de quartos, a vida de Renaud Sarti, um homem pouco mais velho do que ela, que tentava cometer suicídio logo ao chegar ao mesmo hotel, algumas horas antes dela.
 
A partir de então, os dois começam uma relação que, nem se vista do espaço sideral, pode ser classificada como normal, ou saudável: Renaud se mostra um alcoólatra niilista dos mais graves, um degenerado e um egocêntrico sem precedentes, que abusa moral e fisicamente de Geneviève, enquanto esta, gradativamente — o que é mais absurdo em toda a trama, do meu ponto de vista — está plenamente consciente do que lhe acontece, mas não consegue se desvencilhar do homem que a pisoteia como a um capacho na porta da entrada de casa. É como se ele se tornasse a sua droga particular, uma droga tão poderosa de que lhe era impossível abrir mão, sob qualquer circunstância.
 
No fundo, a obra não chega a ser precisamente um absurdo no contexto real das coisas. Afinal, infelizmente, sabemos todos disso, muitas mulheres, em maior ou menor grau, se submetem a este tipo de relacionamento que extrapola o bem estar e a sanidade mental, em alguns casos. Mas penso que, para muitos em geral, e especialmente para elas, a mesma obra é pesada de se aguentar.
 
A autora Rochefort.
(Fonte: 3bp.blogspot.com/)
No entanto, o romance fascina pela verossimilhança da realidade.
 
Humilhações em público, agressões físicas, litros e litros de álcool ingerido a toda hora do dia e da noite, indiferença e até um desprezo sem qualquer pudor por parte de Renaud ao amor de Geneviève encharcam as páginas deste romance de Rochefort, que era considerada uma escritora feminista. Fico imaginando que, se estivesse em seu lugar, eu teria muita dificuldade em fazer brotar esta estória no papel.
 
Um adendo: foi realizada uma versão cinematográfica do romance e lançado em 1962, onde a grande estrela foi Brigitte Bardot, a musa das telas francesas naquela década.
 
O título da obra, a meu ver, claramente se explica no final, mas isso eu não contarei: prefiro que você me diga depois.
 
 
Título: O Repouso do Guerreiro (original: Le Repos Du Guerrier)
 
Autora: Christiane Rochefort
 
Editora: Abril Cultural
 
Número de páginas: 250

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um clube, um filme, o retrato de uma crise

Marlon Villas

Muito bem, vou falar de algo que provavelmente vai soar mais familiar para quem viveu de verdade os anos 80 e o início dos 90 quando criança ou adolescente, tudo bem?

Todo mundo aqui no Brasil sabe que a programação da Rede Globo não é, nem de longe, apreciada no quesito qualidade-realidade. Assistimos a alguns programas (raríssimos, que surgem de vez em quando) que retratam de certa forma (veja bem, eu usei a expressão "de certa forma") a realidade desse país adentro, como a série Carga Pesada, ou que nos fazem sentir como se estivéssemos vendo nossos vizinhos e conhecidos, como a série A Grande Família. Mas isso infelizmente, como já frisado antes, não é o que acontece na maioria das vezes. É aquele tipo de programação que foge totalmente ao senso de cotidiano para nós, mas que garante bastante audiência entre a massa de telespectadores.

Nem vou falar das novelas, que há anos não acompanho sequer uma, e que demonstram falta crônica de credibilidade, para mim, embora eu conheça muita gente que as admire, inclusive meus pais, que ficam doentes se perdem um capítulo de qualquer uma delas.

O clube dos cinco de castigo.
(Fonte: http://2.bp.blogspot.com/)
O que desejo externar aqui é a falta que faz, nesta mesma emissora televisiva, bem como em outras,  programações e filmes que sirvam de parâmetro de identidade para os jovens. E nem venha comentar a respeito sobre a pseudo-novela Malhação, porque qualquer comparação do que apresentam ali com a realidade da juventude brasileira é um tremendo desrespeito com as novas gerações.

Nos anos 80, e até o começo dos 90, nós, crianças, pré-adolescentes e adolescentes, tínhamos algo que nos fazia sentar a bunda no sofá durante as tardes e ligar a tevê na Globo para nos vermos refletidos na tela, mesmo que o que acontecesse nos enredos fosse a milhares de quilômetros de distância de nossas casas: os filmes daquela época, várias vezes reprisados ano após ano, contando peripécias, anedotas e dramas juvenis pelos quais todo garoto ou garota passa nesse período da vida.

Lembro vários filmes sensacionais daquela época, como (os títulos são os lançados aqui) Fica Comigo, Curtindo a Vida Adoidado, Te Pego Lá Fora, Goonies, Mulher Nota Mil e tantos outros, a lista é gigantesca. Há outros que falam sobre situações diversas, porém vou me focar nos juvenis. Sendo assim, queria falar de um filme em especial, e de um diretor em especial.

A mente brilhante atrás das câmeras.
(Fonte: http://i102.photobucket.com/)
John Hughes. Não acho que até hoje tenha existido um diretor de cinema com tanto tato e sensibilidade para expressar o que um adolescente passa em seus desejos e angústias, não importa de qual geração seja, do que esse sujeito. Recentemente ele faleceu e acabou sendo feito um documentário sobre sua carreira, que é tão interessante quanto seus filmes - e trata justamente dessa influência sobre os jovens daqueles anos. Estou falando de Don't You Forget About Me. Não faz muito tempo, escrevi uma impressão sobre este trabalho em meu blogue pessoal, que você pode ler aqui.

E um dos trabalhos de Hughes, que foi um marco para todos os moleques dos anos 80, sem dúvida foi O Clube Dos Cinco, embora eu não me recorde de ter assistido a este pela tevê, talvez porque fosse o tipo de película que a censura, na época, não deixaria passar, por conter cenas consideradas pesadas para o tipo de público-alvo - há pelo menos um momento em que os protagonistas mostram claramente fazer uso de maconha.

Cinco estudantes de uma escola são obrigados a cumprir um castigo, que seria passar um dia de sábado juntos, pois o diretor esperava que cada um escrevesse uma redação sobre o que pensa de si próprio, como uma maneira de refletirem sobre o que tinham cometido de errado em seus comportamentos. A ideia inicial, como você pode notar, é extremamente simples, mas era assim que Hughes gostava de experimentar nos seus filmes, os enredos, em geral, eram simplórios, mas o seu grande trunfo era trabalhar as emoções das personagens.

Um atleta, um nerd, uma patricinha popular, uma garota esquisita e antissocial e um delinquente. Estes são os cinco protagonistas, além do diretor e do faxineiro da escola, que seriam coadjuvantes no roteiro. Nenhum dos alunos antes se conhecia, e é claro que se estranham nos primeiros momentos. Depois começam a se envolver mais e compartilhar seus problemas com relação a outras pessoas, principalmente os atritos que sofrem com seus respectivos pais. O diretor é um típico funcionário arrogante que despreza, humilha e provoca todos no castigo, enquanto o faxineiro é mais "liberal" e "compreensivo" com os garotos.

Impossível não se identificar com seus dramas, pelo menos de um ou outro ali em punição, a menos que você seja um tipo insensível que já nasceu adulto e preocupado somente com suas contas a pagar. Quem jamais passou pelas angústias de aceitação, de aprovação, de rejeição, de insegurança, de desespero quando adolescente, então que jogue a porcaria da primeira pedra.
Compartilhando alegrias e dramas.
(Fonte: http://1.bp.blogspot.com/)

Dois dos atores, Molly Ringwald (a estrela dos filmes de John Hughes) e Emilio Estevez (o irmão de Charlie Sheen, o Charlie Harper da sitcom Two And A Half Men, e filho do ator Martin Sheen) são os mais famosos atualmente. Mas na minha mera opinião, quem rouba a atenção em todas as cenas que aparece é o rebelde, interpretado por Judd Nelson, que hoje não tem muita expressão nos meios de Hollywood. Nelson conseguiu dar vida a sua personagem de tal forma que você pode sentir simpatia e antipatia por ele, ao mesmo tempo.

Sinceramente, penso que as novas gerações, pós-anos 80, não são representadas do modo como deveriam. Não consigo perceber as mesmas emoções juvenis tão claramente como em O Clube Dos Cinco nos filmes de hoje. Inclusive isso é mostrado de fato nos depoimentos de garotos entrevistados no documentário Don't You Forget..., já mencionado. Não há comprometimento de verdade com o retrato do imenso turbilhão da adolescência, como todos nós sabemos como é (ô insensível, melhor você ir embora daqui). Por favor, cineastas, acordem pra cuspir.


Titulo: O Clube Dos Cinco (Brasil) / The Breakfast Club (original)
Lançamento: 1985
Direção: John Hughes
Duração: 93 minutos

domingo, 25 de novembro de 2012

Meu fim de semana Frankenstein

Danilo Altman


Mary Shelley, a criadora.
(Fonte: http://exhibitions.nypl.org/)

Clássicos merecem ser conhecidos e apreciados. Nessa vibe que finalmente li o livro Frankenstein, ou o Moderno Prometeu, de Mary Shelley. Não que nunca tivesse tido curiosidade antes, mas faltou oportunidade. E essa oportunidade veio na forma de uma edição pocket vagabunda que comprei por R$ 12,00 em uma grande livraria da minha cidade. Por coincidência, no fim de semana que terminei de ler foi a estreia de Frankenweenie, o qual fui conferir no cinema. E já que estava no embalo, acabei assistindo o filme classicão, com Boris Karloff no papel da criatura, em sequência. Pra completar o lance (como diria o saudoso Mussum), resolvi assistir Frankenstein de Mary Shelley, filmaço dirigido por Kenneth Brannagh em 1994.

A criatura em 3 momentos: no filme de Thomas Edison...
(fonte: http://www.spookyisles.com/)
Quando se pensa em Frankenstein, a primeira imagem que vem à cabeça é do monstrão verde com parafusos no pescoço do filme de 1931. Talvez por causa desta associação grande parte das pessoas acredita ser esse o nome da criatura (que, na verdade, nem nome tem) e não do cientista que a criou. Outra associação que logo as pessoas fazem é que se trata de uma história de horror barata, literatura B. Ledo engano. O livro é um tratado sobre a condição humana, sobre ética na ciência e sobre, porque não?, religião. Tudo isso embalado numa roupagem que mistura terror, mistério, romance e ficção científica. 

Mary Shelley escreveu o livro entre 1816 e 1817, quando tinha apenas 19 anos, ao ser estimulada por seu amigo Lord Byron a criar uma história de fantasmas. Provavelmente inspirada por uma palestra do cientista inglês Humphry Davy, um dos pais da eletroquímica, a que havia assistido quando mais nova, a autora criou a fantástica história da criação de vida em um corpo inanimado através da ciência. Davy, aliás, acabou sendo base para o personagem do professor Waldman no livro.

... interpretada por Boris Karloff...
(Fonte: http://collider.com/)
O livro não foi sucesso de crítica na época, mas logo caiu no gosto popular. Edições atrás de edições foram lançadas e hoje é considerado um dos grandes clássicos do terror, ao lado de Drácula, de Bram Stocker. Por ser tão conhecido e cultuado, o livro logo foi adaptado para outras mídias, como teatro e cinema, sendo a primeira versão cinematográfica produzida por Thomas Edison (sim, ele).

Nos anos 30, o estúdio Universal descobriu nos filmes de monstro uma mina de ouro e se baseou na criatura de Shelley para criar o icônico personagem verde, que acabou sendo usado em uma série de filmes. O filme marcou época e assustou bastante o público naquele tempo. Não sou daqueles xiitas que acham que filmes/séries devem ser absolutamente iguais aos livros/quadrinhos nos quais foram baseados, mas fato é que este filme pouquíssimo tem a ver com a história original, mantendo, basicamente, apenas a ideia da criação de um ser a partir de restos mortais humanos. Claro, isso não é necessariamente uma crítica. O filme se tornou icônico por si só, marcou gerações, e mesmo hoje, mais de 80 anos depois de seu lançamento, é referência no que se trata de filmes de horror.

O filme de Brannagh segue um caminho oposto. O ator/diretor, acostumado em traduzir Shakespeare pra grande tela, teve a intenção de levar as ideias de Mary Shelley mais à risca para seu filme. Isso não quer dizer que seu filme seja 100% igual ao livro. Há algumas intervenções aqui e ali, a maior parte no sentido de agilizar a história para que ela caiba em 2 horas de filme (e me arrisco a dizer que algumas arestas são mais bem resolvidas do que no livro), mas também há duas ou três diferenças mais, digamos, drásticas, em relação ao livro. Por exemplo, os acontecimentos que envolvem a personagem Elizabeth. O desfecho de seu personagem é bem mais impactante do que no livro. Não posso deixar de elogiar aqui as grandes atuações do trio principal, Kenneth Brannagh, Robert de Niro e Helena Bonham-Carter.

... e por Robert De Niro.(Fonte: http://classic-horror.com/)
Frankenweenie é uma grande homenagem. Não só ao filme de 31, mas a todos os filmes de monstros da Universal, assim como outros, como Godzilla. Esse stop-motion resgatou minha fé no seu diretor, Tim Burton, que andava fazendo um monte de filmes sem alma ultimamente (como os pavorosos Alice no País das Maravilhas e Sombras da Noite). Frankenweenie, na verdade, é um remake de um curta do próprio Burton, produzido em 1985, e trata da história de um garoto que revive seu cachorro Sparky depois deste morrer atropelado. É um filme para crianças, então obviamente não dá pra esperar a profundidade do texto de Shelley, entretanto é uma história bastante divertida, conduzida de forma a entreter espectadores infantes e cinéfilos que vão encontrar as referências de filmes do passado.

Passados quase 200 anos de sua publicação, Frankenstein parece longe de ser esquecido. A história trágica do cientista e sua obra continuará sendo contada e servindo de inspiração para novos criadores de histórias darem vida a suas próprias criaturas.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mike Patton, a delicada arte de fazer música

Danilo Altman


Mike Patton
(latim versatilis, -e) 
adj. 2 g.
1. [Figurado]  Propenso a mudar. = INCONSTANTE, VOLÁTIL, VOLÚVEL
2. Que tem várias qualidades ou utilidades ou que pode fazer ou aprender várias coisas.= POLIVALENTE. 
Mike Patton - 1000 vozes e 1000 talentos.
(Fonte: 
http://tenhomaisdiscosqueamigos.virgula.uol.com.br)

Se tem alguém que é sinônimo de versatilidade é Mike Patton. O cara tem uma infinidade de estilos de canto. Vai dos antigos vocais agudos que usava no über hit Epic até a vozes mais graves, sussuros, gritos, guturais e o que for mais necessário para fazer música. Não à toa ele é conhecido como "Mr. A Thousand Voices".

Mr. Bungle - Mr. Bungle.
(Fonte: http://upload.wikimedia.org)
Talvez consciente do seu próprio talento, o cara nunca parou quieto e vez basicamente todos os tipos de música possíveis. Rock, funk metal, bossa nova, pop italiano dos anos 60, jazz, grindcore, trip hop... díficil é dizer um estilo em que Patton não tenha colocado seus vocais. Tem projetos ou parcerias com gente que vai de Bebel Gilberto, Norah Jones e Bjork até Dave Lombardo (Slayer), Duene Denilson (The Jesus Lizard) e Buzz Osbourne (The Melvins), tendo uma discografia extensa e absurdamente variada. Neste artigo destaco e comento alguns de seus trabalhos extra-Faith No More que mais me prenderam a atenção e que são presenças frequentes no meu mp3 player.

Mr. Bungle - Mr Bungle (1991): Primeira banda de Patton. Um funk metal nervosíssimo com muitos toques de ska e experimentalismo. Se o Red Hot Chilli Peppers (da década de 80) se encontrasse com o Frank Zappa e resolvesse colocar suas distorções no máximo, talvez saísse algo parecido. Este é o único outro álbum da carreira do vocalista em que ele usa a voz mais aguda que conhecemos do Real Thing (Faith No More). Ouça: Quote Unquote e My Ass Is On Fire.

Fantômas - Director's Cut.
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Fantômas - Director's Cut (2001). Fantômas foi a primeira banda não-FNM do Patton que tomei contato. Na época eu alugava CDs numa lojinha e me deparei com o primeiro álbum dos caras na estante. Imagina minha empolgação ao ver na capa o nome do músico ao lado do ultra-baterista Dave Lombardo! Imaginei que aquilo seria uma mistura de FNM com Slayer. Aluguei, fui correndo pra casa e... não entendi nada. Aliás, até hoje acho os trabalhos do grupo difíceis de serem digeridos. É com (quase) toda a certeza a banda mais noise do cara. A exceção é este Director's Cut, que traz versões pesadíssimas de trilhas sonoras de filmes, em sua maioria antigas produções de suspense e terror. Esse sim, soa como um híbrido entre a violência do Slayer e a esquizofrenia do FNM da época Angel Dust. Todas as faixas são absolutamente imperdíveis! Ouça:  Der Golen e Rosemary's Baby.

Lovage - Music To Make Love To Your Old Lady By
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Lovage - Music To Make Love To Your Old Lady By (2001): Perfeito pra tocar em todos os cabarés da sua cidade. Neste álbum Patton se uniu à vocalista Jennifer Charles e ao DJ Kid Koala, sob produção de Dan the Automator, para produzir música altamente sexual. O negócio aqui é alguma coisa entre o trip hop e o lounge, com algum toque setentista, e letras safadas e sarcásticas. A primeira associação que vem à cabeça é com o Portishead, se a banda se enchesse de Caracu e ovo de codorna. É difícil ouvir este álbum sem se imaginar em um daqueles bares de strip que sempre aparecem em filmes norte-americanos. Ouça: Sex (I'm A) e Book Of The Month

Tomahawk - Mit Gas.
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Tomahawk - Tomahawk (2001) e Mit Gas (2003): Neste grupo o vocalista está ao lado de Duane Denison, guitarrista do The Jesus Lizard, e do poderoso baterista John Stainer (Helmet, Battles). O baixista varia: nestes álbuns foi Kevin Rutmanis, que já tocou com o Melvins. Imagino que deva ser a banda que a maioria dos fãs do FNM deve preferir, já que é bem menos experimental e bem mais parecido com sua banda mais famosa do que os outros projetos do vocalista. Pra mim o Tomahawk, em seus dois primeiros trabalhos, soa mais ou menos como o FNM em seus tempos de King For A Day. Ouço Rape This Day e escuto ecos de Digging The Grave, por exemplo. Não à toa é a segunda banda dele que mais ouço (não preciso dizer a primeira, certo?). O que mais diferencia as duas bandas são interessantes inserções eletrônicas e batidas quebradas de bateria que parecem ter saído de um álbum do Prodigy (porém tocadas por bateria "de verdade"). Ouça: Laredo, Capt. Midnight e Mayday.

Peeping Tom - Peeping Tom.
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Peeping Tom - Peeping Tom (2006): Na época do lançamento, eu li que Mike andava achando a música radiofônica uma porcaria e resolveu fazer seu próprio álbum pop. Com colaboradores como Norah Jones, o grupo Massive Attack e Bebel Gilberto, o vocalista gravou um CD de pop, rock, rap e trip hop. Você, fã de rock e metal, teve calafrios agora, né? Vou te dizer, o CD é incrível! Bem tocado, bem produzido, criativo... animal! O álbum está anos-luz à frente do que se ouve pelas rádios por aí. Os arranjos são de extremo bom gosto e todas as músicas têm bastante peso, provenientes de riffs de guitarra ou das intensas linhas de baixo e batidas de bateria. Esse trabalho prova que o pop não precisa ser bunda mole. Ouça: Sucker e Kill The DJ.

Tomahawk - Anonymous.
(Fonte: 
http://upload.wikimedia.org)
Tomahawk - Anonymous (2007): Não aguentei e coloquei outro àlbum do Tomahawk na lista! Este CD é completamente diferente dos dois anteriores. Nele a banda resolve finalmente assumir o lado índio que o nome da banda indica e faz um trabalho conceitual baseado em músicas nativo-americanas. O resultado não poderia ser melhor. Longe do metal alternativo das gravações anteriores (apesar de uma ou outra faixa ainda ser mais pesada e guitarrística), a banda cria aqui canções belíssimas, misturando cantigas rituais com música mais moderna. Ouça: Ghost Dance e Crow Dance.

O cara produz demais, nem ele próprio deve se lembrar de todos os projetos em que esteve envolvido. Seus companheiros de bandas e estilos musicais sempre mudam, a única constante em seus trabalhos é a qualidade. Onipresente e onipotente Mike Patton pode ser considerado de fato um deus da música, espalhando seu brilhantismo onde quer que se meta. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os paulistas do Xingu

Marlon Villas

Irmãos Villas-Bôas (atores Caio Blat, Felipe Camargo e João Miguel).
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)
Um brasileiro não possui normalmente a curiosidade de conhecer seu próprio país. Ficamos todos fascinados pela tecnologia, hoje ao alcance da mão ou de um cartão de crédito, fascinados/acostumados pelas grandes cidades cheias de iluminações em neon, salas de cinema e boates, e esquecemos de que esta nação é tão grande quanto sua desigualdade econômica, com tamanha disparidade cultural que, como já ouvi diversas vezes de diversas bocas (principalmente nas regiões Sul e Sudeste), "nem parecemos ser gente do mesmo povo".

Por isso existe tanta gente mais preocupada em tirar fotos ao lado de grandes monumentos das maiores capitais tupiniquins, ou louca para esbarrar em alguma celebridade da tevê (a grande parte centrada no eixo Rio-São Paulo, como de praxe), do que se aventurar pela vastidão exótica e tão diversificada que esta terra oferece.
Comemoração.
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)

Por isso existe tanto brasileiro despreocupado em conhecer de fato o que constitui esta imensa repúblicca em sua totalidade.


Recentemente assisti ao filme Xingu, dirigido por Cao Hamburger, que conta a saga de Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas pelas terras do estado de Mato Grosso e do Pará, no início dos anos 1940. Uma história verídica de três irmãos paulistas que decidiram abandonar tudo e partir em busca de um desbravamento por regiões até então desconhecidas pela maioria dos cidadãos, dentro de uma expedição do marechal Cândido Rondon, um militar e sertanista reconhecido internacionalmente por suas ações de integração nacional na Amazônia brasileira. A missão era baseada em reconhecer, catalogar a geografia e firmar postos de localização para o governo.

Os desbravadores, quase todos homens simples e ignorantes, que apenas desejavam ganhar a vida de alguma maneira, ao se depararem com tribos indígenas ao longo dos caminhos que percorriam, muitas delas sem prévio contato com a civilização "branca", tiveram desconfiança dos nativos, e vice-versa. Depois foram sendo criados laços de convivência entre os dois lados, duas culturas completamente distintas. Anos mais tarde, em 1961, foi criado o Parque Nacional do Xingu, graças ao esforço, sem sombra de dúvida hercúleo, destes irmãos, que compreenderam a importância de preservação não só da fauna e da flora de toda aquela região, mas também dos costumes dos povos ancestrais que ali habitavam.
Desbravamento.
(Fonte: http://www.xinguofilme.com.br/)

Xingu retrata não somente a riqueza do país em sua regiões Centro-Oeste e parte do Norte, mas o que poucos homens são capazes de realizar diante de um ideal como nação, algo que, infelizmente como brasileiro, não consigo ver em meus compatriotas tão frequentemente. O filme resgata, a meu ver, um pouco daquilo que todo cidadão desta nação deveria aprender a valorizar mais: o real sentido de integração nacional, em todos os quesitos.

Um Brasil não é feito apenas de praias bonitas, belos locais turísticos, futebol, pagode, churrasco e miscigenação de raças e imigrantes, a meu ver. Tem algo muito mais profundo, urgente e majestoso por trás de tudo isso. Qual o verdadeiro orgulho de se dizer brasileiro, afinal de contas? Já parou para pensar nisso?

Título: Xingu
Lançamento: 2012
Direção: Cao Hamburger
Duração: 142 minutos

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Fim da Infância

Danilo Altman

Rei Arthur da ficção científica.
(Fonte: http://images1.wikia.nocookie.net)

Não deve existir título mais improvável para uma ficção científica sobre a chegada de alienígenas à Terra do que "O Fim da Infância", mas é assim que se chama esta ótima história do meu escritor preferido do gênero, Arthur C. Clarke. Para quem não é desse planeta, Clarke foi quem co-escreveu a história do clássico definitivo 2001: uma Odisséia no Espaço, ao lado do diretor da película, Stanley Kubrik. Nascido na Inglaterra em 1917, Clarke serviu na Royal Air Force durante a 2ª Guerra como especialista em rádio, e mais tarde, nos anos 40 graduou-se em física e matemática, tornando-se escritor profissional à partir do começo dos anos 50. Apesar de ser mais conhecido por causa do trabalho em 2001, o autor foi responsável pela escrita de dezenas de livros de ficção e não-ficção, ganhando diversos prêmios literários e sendo considerado parte do Big 3 do Sci-Fi, ao lado de Robert Heilein e Isaac Asimov, além de ter sido responsável por inúmeros contos e artigos científicos. É dele, por exemplo, o artigo Extra-Terrestrial Relays – Can Rocket Stations Give Worldwide Radio Coverage? que lançou as bases teóricas para a concepção dos satélites geo-estacionários que existem hoje. Quando o GPS te ajudar a chegar na pizzaria, agradeça ao velho Arthur. E você aí se achando o nerd master porque assiste Big Bang Theory. Francamente!

Infelizmente é muito difícil encontrar algum livro do Clarke nas livrarias, então sempre que me deparo com algum exemplar acabo comprando, mesmo se não souber direito do que se trata. Até agora me dei bem, não houve um livro deste inglês que eu tenha achado ruim. E foi numa dessas garimpadas que finalmente encontrei "O fim da infância" (Editora Aleph, 2010).

O que eu sabia do livro é que ele se tratava da chegada de enormes discos voadores à Terra, assumindo posições acima das principais cidades do planeta. Sim, você já viu isso. Independence Day começa de forma exatamente igual. Entretanto as semelhanças acabam aí. Enquanto no estúpido filme, dirigido pelo péssimo Roland Emmerich, os alienígenas já chegam quebrando tudo, nesta história suas intenções ficam secretas até o último capítulo.

O Fim da Infância.
(Fonte: http://www.editoraaleph.com.br)
E é exatamente pelo suspense que a trama se move. O livro é separado em três grandes atos. No primeiro, o grande mote é a aparência dos visitantes espaciais. Após sua chegada, seu líder Karellen se manifesta, dizendo que vieram com a missão de levar a humanidade à um novo patamar de paz e prosperidade. Porém se os alienígenas, conhecidos pelos humanos como Senhores Supremos, estão aqui com essas supostas boas intenções, porque não se mostram? O que têm a esconder? Clarke, como é de costume, conduz a história de forma sublime, mostrando como o mundo está depois de 5 anos da chegada das naves.

Toda essa primeira parte é praticamente igual ao conto "Anjo da Guarda" que deu origem ao livro, e sua conclusão é fantástica. Não pensava que poderia ainda hoje me surpreender tanto com a descrição de um espécime alienígena. Este conto, aliás, está presente na edição da Aleph como bônus, assim como uma versão alternativa do primeiro capítulo.

No segundo ato, o mistério se intensifica enquanto parte da humanidade se acostuma com a presença dos Senhores Supremos. Neste cenário aparecem ainda algumas pessoas descontentes com a utopia forçada em que os homens vivem. O que acontece com o desenvolvimento da ciência e das artes quanto a mente não encontra problemas e amarguras para se preocupar? Esta parte do livro começa em uma festa de casamento, décadas depois da chegada das naves. Ali são apresentados os personagens que vão dar prosseguimento à história, cada um explorando uma parte diferente do universo apresentado por Clarke. O casal Greggson é usado para mostrar o lado do cidadão comum em meio à utopia, enquanto o jovem astrônomo Jan Rodricks percorre um caminho através do qual busca o conhecimento total sobre os novos moradores da Terra, em um dos melhores arcos de personagem da história.

Naves imensas chegando.
Pena que a única coisa que Independence Day usou do livro foi essa cena.
(Fonte: 
http://collider.com)
O ato final traz as resoluções a todas as indagações que permearam o livro de forma absolutamente satisfatória, trazendo respostas inteligentes e criativas mesmo quanto a assuntos os quais achei que o autor deixaria passar batidos. Impossível conseguir parar de ler esse eletrizante final, onde finalmente descobrimos tanto em relação aos ETs e ao destino e desenvolvimento da própria humanidade. Cada página traz algo de cair o queixo, até o encerramento da história.

Considero essa uma das melhores obras do autor. Ficção científica bem escrita, cerebral, cheia de suspense e com mais momentos de tensão e aventura do que é costume nos livros do inglês. Apesar de terem momentos que ficaram datados (poxa, o livro foi escrito nos anos 50), o livro transborda inventividade. Agora  só resta torcer para que mais livros de Sir Arthur Clarke saiam no Brasil (por favor, Editora Aleph, termine de relançar a série Rama!) para que nós, fãs de sci-fi, possamos ter em mãos obras tão supremas quanto esta.