segunda-feira, 18 de março de 2013

The Sunset Limited

Marlon Villas



Pros mais chegados, não é novidade que eu goste de temas pesados para discussão. E a filosofia vem bem a calhar em muitos desses momentos de exercitar o raciocínio.

Então o que posso dizer quando vejo duas coisas que adoro, o cinema e a filosofia, unidos numa coisa só? É um prato suculento, com bastante tempero e cheiroso só esperando por mim. E ele estava esperando, bem quietinho, na prateleira de uma locadora de vídeos no ano passado.

Cheguei como quem não tá nem aí, o DVD olhou pra mim, eu fiz que não era comigo, mas me aproximei e o encarei. Li a sinopse na contracapa e fiquei intrigado: que diabos é isso? Um filme de 1 hora e meia em que, pelo jeito, só aparecem dois atores? Fiquei ruminando e, quando dei por mim, já pedia para a atendente registrar a locação no meu nome.

Não fui eu: foi ele que me obrigou a carregá-lo para casa.

Liguei o home theater, coloquei o disco lá dentro, preparei um lanche rápido e sentei no sofá. Ainda não tinha entendido direito sobre o que se tratava a história do filme, de início a tal sinopse me pareceu rasa demais. Depois compreendi o porquê: é o tipo de obra que você precisa descobrir sozinho e tirar suas conclusões. Botar a cabeça para funcionar mesmo. Mas é claro que essa compreensão só veio nos créditos finais.

Mal sabia eu.

Primeira cena: um trem passando em uma estação. Há um barulho alto dos trilhos sendo arranhados, e a impressão de que algo muito grave acontece com alguém naquele momento, na estação.

Na cena seguinte, me encontrei dentro de uma quitinete bem pobre, enquanto Tommy Lee Jones se encontra ali dentro, ainda tentando entender por que tinha ido parar naquele lugar, enquanto Samuel L. Jackson procura deixá-lo à vontade. E logo noto que ambos estavam antes na estação, sendo que Jackson havia acabado de salvar Jones de se atirar na frente do trem. É aí que começa uma das conversas mais longas e sensacionais que eu já presenciei na minha vida.

Jones, um professor de filosofia ateu, desgostoso com a vida e com o mundo, decidira se suicidar se lançando na frente do Sunset Limited, nome do comboio que passava àquela hora, início de madrugada. Jackson, um ex-presidiário e funcionário de subemprego em alguma fábrica e cheio de convicções religiosas, não permitiu que o outro fizesse aquilo, por uma questão de humanidade. E por isso leva o professor para seu humilde lar e busca compreender os seus motivos para aquilo que ele considera um ato de desespero ou de falta de perspectiva. Tommy Lee tenta sempre buscar uma forma de ir embora, mas Samuel o convence diversas vezes de que ele não deveria partir, que ficasse um pouco mais. A discussão entre os dois vara as primeiras horas do dia que ainda não amanheceu.

E essa discussão se estende por vários assuntos. É impressionante como os dois discorrem sobre verdades, incertezas, vida, morte, amor, religião, felicidade, conhecimento e mais e mais e mais, com tamanha naturalidade, enquanto tomam café, enquanto tomam uma sopa, ou quando Jackson põe água em sua planta no vaso perto da janela. Por diversos instantes você pode ter a sensação de que é simplesmente uma conversa entre dois conhecidos e que nada de mais acontecera algumas horas atrás. Mas nenhum jamais tinha visto o outro antes, e tudo aquilo teve seu início a partir de um ato: o suicídio, ou ao menos a tentativa de um.

Jackson pergunta, Tommy Lee responde, Jackson provoca, Tommy Lee ironiza, Jackson procura uma brecha na argumentação do outro, Tommy Lee se mantém firme. Tudo isso sem saírem da quitinete, mais especificamente da sala. Não existe uma dica muito clara/explícita sobre o que concluir de todo o diálogo entre o professor ateu e o ex-condenado religioso. Arrisco a dizer que você possivelmente fica com uma sensação de que é você mesmo, o espectador, quem deve botar os pingos nos is da história.

Decididamente não é um filme para quem é fissurado em efeitos especiais, ou para quem detesta debates. Vi alguns comentários internet adentro de pessoas que não gostaram, e entendo bem porquê. Claro que uma história dessa não vai agradar a maioria, que só quer saber de filmes facilmente digeríveis, de preferência pré-mastigados para não comprometer o funcionamento cerebral. Mas o que vou dizer agora não é exagero: ao final, fiquei uns bons minutos sem me tocar que estava de boca aberta. A primeira coisa que disse foi um palavrão bem alto, logo a seguir concluí que precisava urgentemente de uma cerveja.

The Sunset Limited é baseado em uma peça de teatro de mesmo título do escritor Cormac McCarthy, mesmo autor dos livros A Estrada e Onde Os Fracos Não Têm Vez, que também viraram obras de cinema. A direção ficou a cargo do próprio Tommy Lee Jones, que mostrou, além de uma ótima interpretação, um poder de saber conduzir o roteiro com muito pouco em termos físicos.

E olha: precisei de mais do que somente uma cerveja naquela noite.

Título: The sunset Limited (original)
Lançamento: 2011
Direção: Tommy Lee Jones
Duração: 91 minutos

Um comentário:

  1. Marlon, gostei do jeito que vc escreveu. Muito! Sossegado, tranquilo. Bom demais! Adorei a indicação.

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