quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Factotum

Marlon Villas


(Fonte: http://2.bp.blogspot.com)
Charles não era só um velho safado e beberrão. Era um velho safado e beberrão que, mesmo sem querer, sabia emocionar falando de coisas triviais e outras nem tanto, algumas realisticamente fantásticas, mas todas com um toque cruelmente sincero e natural. Falava sobre amor, apostas de cavalos, putas, poetas, sujeitos marginalizados. Falava sobre a grande massa social, aquela que suporta, às vezes com uma gargalhada atrás de um cigarro ou de um drinque, diferentes mazelas e porradas que lhes são inflingidas.

Foi ao acaso que descobri, através da internet, que havia sido adaptado para o cinema, em 2005, o livro Factotum, de Charles Bukowsky, com alguns excertos de outras obras suas. Já ouvira a respeito de Barfly (a que também assisti há bem pouco tempo, mas a impressão sobre este filme pode ficar para depois), de 1987, com roteiro do próprio autor, porém desconhecia a feitura do mais recente.

Henry Chinaski, como na película dos anos 1980, é o protagonista do enredo. Muitos consideram esta personagem uma espécie de alter-ego do escritor, que adorava a boemia como uma deusa dos piores/melhores vagabundos, a única forma de expressão da verdade sobre a condição do homem urbano, endurecido e despido de grandes expectativas da vida. E é desse poço de desesperança que Bukowsky extraía a matéria crua que moldava em seus contos e poemas, além de suas próprias experiências pelos bares e pelas ruas sujas de Los Angeles, onde vivia.

O ator escolhido para o papel principal é Matt Dilon, que até já fez alguns bons trabalhos ao longo da carreira, entretanto não foi ainda digno de atenção da Academia de Cinema de Hollywood. Apesar disso, sinto que Dilon interpretou Chinaski de maneira muito convincente, até mesmo poética e comovente, mostrando a falta de rumo  (o subtítulo do filme é Sem Destino, no Brasil) na vida da personagem como escritor que não desiste de sua literatura, mas que perde diversos subempregos, um atrás do outro, por não conseguir se ajustar às convenções de empregador-empregado. Ou apenas porque bebia durante o expediente.

Aliás, uma das cenas mais inspiradoras é quando Henry vai cobrar um cheque por algumas poucas horas trabalhadas em um jornal de onde foi despedido, e explica ao encarregado do setor financeiro que reconhece que o motivo não é nobre, mas que desejava receber o dinheiro para poder encher a cara, porque essa foi sua escolha como homem. Honestidade elevada ao grau máximo.
Matt Dilon e Lili Taylor numa das melhores cenas.
(Fonte: http://cdn-premiere.ladmedia.fr)

Há participações de Marisa Tomei e de Lili Taylor, que interpretam duas mulheres que se envolvem com o protagonista durante sua jornada de autêntico anti-herói norte-americano (Lili, tão pequena e frágil, porém tenaz e inspiradíssima na tristeza que emana, faz com que Marisa seja quase que transformada em uma pálida sombra ao longo do filme), mas quem se sobressai claramente é Matt Dilon, na pele de Henry "Hank" Chinaski (Hank é o apelido do protagonista, que os leitores de Bukowsky conhecem bem, e que aparece escrito no peito de seu uniforme de um dos subempregos que aceita).

Factotum é um filme melhor servido com uma garrafa de uísque, um maço de cigarros, humor ácido e muita, muita dose de humanidade.

Título: Factotum - Sem Destino (original: Factotum)
Lançamento: 2005
Direção: Bent Hamer
Duração: 94 minutos

2 comentários:

  1. vou assistir esse filme. Não conheço nada do Bukowski (talvez seja a hora para começar).

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    1. O filme é muito bom, recomendo pra quem gosta de Bukowski. E se vc curtir os escritos dele, então vai ser um prato cheio.

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